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Epifania em Fátima

Os leitores regulares deste site sabem que sou um sacana de um ateu blasfemo. A isto eu digo: “mas a quem é que estão a chamar de sacana, bandidos?”.

Mas mesmo eu, meus amigos, tenho de admitir que, por vezes, sinto a mão divina, como que a acariciar-me o cabelo na sua suprema bondade. Um destes momentos aconteceu, não há muito, aquando de uma visita a Fátima.

Estive de férias e, como tinha ido visitar as Grutas de Mira d’Aire, decidi fazer um pequeno desvio, com o intuito de respirar a beatífica paz que impregna o majestoso descampado do célebre santuário. Para além disso, ia com a ideia de comprar uma daquelas t-shirts com a Nossa Senhora. Lamentavelmente, não as encontrei à venda… É que nem sequer precisavam de ser aquelas t-shirts metrossexuais que o Miguel Ângelo usava quando andava a percorrer o país com o programa Cantigas da Rua! Bastava uma das normais, com aquelas impressões manhosas… Mas não. Eram só pernas e braços de cera… T-shits com a efígie da mãe de Cristo que é bom, nada. Enfim, se calhar é um item que, dada a sua ímpar espectacularidade, só se encontra nas lojas de artigos religiosos mais underground de Fátima… Aquelas que só mesmos os fanáticos conhecem.

Se eu fosse cínico, poderia dizer que o poder sobrenatural daquelas paragens se fez sentir logo aquando da nossa chegada: um lugar de estacionamento mesmo ao pé do santuário e, milagre dos milagres, nem sequer o espírito de um arrumador por perto! Mas seria palerma tentar descobrir a influência de Nossa Senhora em situações rodoviárias de natureza tão insignificante.

Carro arrumado, família a caminho do santuário. Como que protegendo o nosso humano entendimento, as frondosas árvores que ladeiam o caminho empedrado de acesso só a pouco e pouco revelavam a enormidade do recinto religioso. Num dia como este, fora das grandes peregrinações, em que só pequenos grupos pontilham, a grandes espaços, o branco dos sagrados mármores, pode-se verdadeiramente experimentar a pequenez da nossa condição, e sentir que aquele vazio que tanto nos impressiona talvez não esteja, afinal, assim tão vazio.
Vislumbrámos, na lonjura da outra margem do recinto, bancos de pedra perfeitamente alinhados sob a apaziguadora sombra de grandes árvores. O local perfeito para dar o iogurte do lanche ao petiz (uma dúvida que deixo para os leitores teólogos: será herege o consumo ou administração a terceiros de produtos lácteos em solo sagrado?).

Iogurte deglutido, família em contemplação. Por detrás de nós, um bando de brancas pombas num tranquilo agitar. À nossa frente, um grupo de visitantes de terras longínquas descia o pelas alvas lajes, dividindo o seu devoto olhar entre o Deus que adivinhavam no céu, e o Deus que descobriam na Igreja à sua frente. No alto, o Sol, na força do estio, vestia tudo e todos com um halo de um brilho quase invisível.

E foi então que o senti. O meu milagre pessoal.

Primeiro como que uma picadela que nos acorda de um sonho. O sobressalto da quase certeza da tragédia. Um suor frio. O medo de olhar. Levantei-me… e lá estava! A folha de alumínio que fechava o iogurte que tínhamos acabado de dar ao puto: tinha-me sentado em cima dela!
Depois, dedos trémulos. Procurando, hesitantes e à espera do pior, do estrago que o infeliz acidente tinha causado. Olhos arregalados em espanto: nada! Nem uma gotícula do iogurte nos calções! Imaculados! Nada para sujar o estofo do carro; nada para, mais logo, cheirar a azedo. Como? Pois se lhe apliquei com todo o meu bruto peso… A minha esposa devolveu-me, em silêncio, o olhar incrédulo que lhe lancei. “Este tipo de coisas não acontece assim, sem mais nem menos”, parecíamos ter dito. Então endireitei-me. Olhei à minha volta, num esforço infrutífero de descobrir algo na inanimada paisagem. Dificilmente teria direito a um sinal mais poderoso do que aquele que já me tinha sido dado. Inspirei profundamente e meneei afirmativamente com a cabeça. “Eu sei. Eu sei”. Fomos para o carro, e fizemo-nos ao caminho…

Agora ide lá para Santiago de Compostela, e sentai-vos em cima de tampas sujas de iogurte, a ver se ficais com os calções em bom estado!




O calor devia ser tanto que o yogurt secou.
Em Santiago não acontece nada, pois se o próprio Santiago não consegue tratar a sua doença dermatológica.Com-postela.


A minha alma está pasma.

Da próxima vez que te vir pedir-te-ei que piamente pouses a tua mão por breves segundos na minha cabeça.

“Frondosas”. Bela palavra. Tenho de a introduzir mais no meu discurso.


Tudo está bem quando acaba bem, feliz de quem ainda acredita em milagres… No meu caso, acredito mais no velho ditado : Fia-te na Virgem e não corras!…


é verdade.

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