siga-nos nas redes
Facebook
Twitter
rss
iTunes

Pai

Ou “Maneiras que a Natureza tem de te dizer que estás lixado!”

Se o leitor tiver de fazer um qualquer exame médico mais intrusivo, há-de encontrar sempre quem desdramatize a situação. “Isso não custa nada,” dirão, ou “vais ver que fazes isso nas calmas!”. E a verdade é que, por vezes, toda esta tranquilização tem os seus efeitos. Depende, por um lado, do quão influenciável se é e, por outro, do rácio que combina estas pessoas com aquelas que, quando sabem do exame, reviram os olhos transtornados, dão dois ou três passos sem sair do sítio para, finalmente, oferecem uma expressão solidária, acompanhada por um suspirado “ehhhh pá…”.

Seja como for, mesmo que se chegue à sala de espera convencido que vem aí uma experiência assaz agradável, há sempre certas ocorrências, capazes de trazer de volta à realidade até o menos perspicaz dos indivíduos. Sejam os gritos lancinantes que se escapam do interior do consultório e que o fazem largar, alarmado, a Nova Gente com nove meses que folheava (“Que Diabo! Aquele tipo está a fazer um exame médico, ou a tomar chá e bolinhos com o Torquemada?”), seja a curiosa forma de caminhar que os outros levam consigo quando saem de dentro do, agora sinistro, gabinete. São coisas deste género que nos fazem perceber que estamos lixados.

Não é só, no entanto, em consultórios médicos que temos estas anunciações: a Natureza também é pródiga na subtil arte de insinuar.

Tudo isto para dizer o quê? Bom, fui pai há alguns meses. É, sem dúvida, uma experiência extraordinária, capaz de alterar a nossa perspectiva sobre o mundo. Por exemplo, antes de ser pai, achava que os McCann eram o demónio; hoje em dia, já tenho dado comigo a lamentar o facto de não ter ido para medicina… (Estou a brincar: o meu petiz é dos que dorme bem à noite. Eu não acredito que haja um ser sobrenatural que me castigue por estar a levantar falsos testemunhos, mas quando o assunto são noites bem dormidas, o melhor é jogar pelo seguro…)

Flashback para o dia 1 da vida extra-uterina da criança. No quarto do hospital, estava eu, a minha esposa, e o jovem rapaz. Entra uma enfermeira, passo elástico e modos despachados: “Então agora o pai vem comigo para aprender a mudar a fralda ao bebé!”.

Faço, agora, uma pequena pausa na narrativa (pedindo desde já desculpa ao leitor que, enleado no palpitante ritmo da história, se sente ofendido por apontamentos que nada têm a ver com o assunto. “Já te despachavas com isso!”. Tem razão. Prometo não demorar.): Desde que a minha mulher teve a criança, que há uma boa quantidade de gente que me trata por “pai”. É esquisito. É que eu nem sequer sou homem para pedir que me tratem por “papá” nos momentos íntimos…

Voltando ao flashback: “Agora o pai vem comigo para aprender a mudar a fralda do bebé!”. “Vamos a isso”, retorqui, entusiasmado. “Isto não custa nada, vai ver que faz isto nas calmas” (há qualquer coisa de familiar aqui). Então, a enfermeira abre a fralda, revelando uma amostra de fezes em tudo semelhante a uma moeda de dois cêntimos. “Porreiro”, pensei eu. “Pronto, põe a fralda suja de parte, limpa o rabinho, e a fralda nova prende-se assim. Já está!”. “Isto é facílimo, afinal!”, disse eu em voz alta, animado com a simplicidade da tarefa que, sem dúvida, haveria de executar inúmeras vezes.

Animado, pelo menos, até ser aí perto das três da madrugada. Estava a entregar o pequeno à mãe para ela acoplá-lo correctamente ao seu peito, quando a mesma me chama a atenção para uma curiosa mancha verde-escuro que se alastrava aproximadamente pela totalidade das costas da criança. Olhando para o berço, outra mancha semelhante.
Começo a despir a criança e constato, num misto de horror e incompreensão, que o problema tinha uma dimensão superior às mais pessimistas previsões que eu poderia ter feito, na altura. Ainda olhei à volta, à espera que me aparecessem de repente a dizer que era para os apanhados. Nada. Ainda pensei que alguém tinha guardado um frasco de Tulicreme (dos grandes) na fralda do puto. Mas nestas idades Tulicreme é capaz de não ser o mais adequado. Por fim, aceitei a infeliz condição, e deitei mãos à obra, consciente de que a minha primeira prova seria de fogo.
Peguei numa toalhita e comecei a desbravar caminho por entre a pasta luzidia. Foi imediatamente evidente a inutilidade das toalhitas perante a enormidade volumétrica da descarga. Era um pouco como usar um daqueles chapelinhos dos cocktails contra as chuvadas que alagam as zonas ribeirinhas de todas as cidades do país, pelo menos uma vez por ano.

Acabei por chamar a enfermeira, que entrou no quarto com uma desenvoltura que gritava “ah, estes jovens pais…”. Eu ainda disse: “ Já me explicaram como é que isto se fazia, mas é a minha primeira vez”, ao que ela respondeu, jovialmente: “Alguma vez tem de ser a primeira!”. É verdade, mas teria sido simpático apresentarem-me uma curva de aprendizagem mais suavezinha. Afinal de contas, “parece que a criança andou às enguias e que ficou com a fralda cheia de lodo”…

Já se passaram alguns meses, entretanto, e (se me é permitido interpretar o papel do indivíduo conciliador) a verdade é que após esse choque da primeira muda de fralda, as outras nem têm sido assim tão difíceis (o que não quer dizer que, de vez em quando, não tenhamos uma entrega deste calibre). Tudo considerado, tem sido incrível. Obrigado e bem-vindo, pequenote!




Eheh daqui a uns anos vão ser essas experiências (e outras mais) que guardaram e contarão à mesa( quer dizer à mesa não, ao sofá vá) 😀 continuações de boas experiências e parabéns.


Hahaha! Já me tinhas contado a aventura há muito tempo, ainda bem que não te esqueceste de escrever sobre isto. O mundo não podia perder frases tão emblemáticas como “parece que a criança andou às enguias e que ficou com a fralda cheia de lodo”.

Abraços ao pequeno Fausto (desculpa lá, não é para parecer negativo, mas dada a estatura dos progenitores, palpita-me que ele vai ser sempre o “pequeno Fausto”…)


Conheço duas pessoas e mais um consultório médico que foram alvo de outros tantos repuxos diarreicos. Presumo que nunca te tenha acontecido, caso contrário faria parte da história.


Não. Ou, pelo menos, ainda não…

No entanto, não raras vezes, sou alvo de esguichadelas urinárias.


Conseguis-te transportar-me para trás 27 anos. Obrigada. Agora só te falta estares no restaurante e que o pequeno Fausto vomite para cima da mesa. Cá se fazem cáse pagam.


Bahhh… noto neste texto algum rancorzinho para com o enfermeirame!!! 😉

Bem vindo à paternidade, unidos para sempre nas coisas maravilhosas e também nestes aspectos minor mas que,às vezes, atingem dimensões catastróficas.

Coragem Pai!!! Nada que um sorriso te faça esquecer…

Paula Pico (@paulapico), que como por aí dizem … uma mera enfermeira atenta!


Não, não! Azedume nenhum! Foram uma inestimável ajuda nos primeiros tempos.

Onde se nota azudume, deveria notar-se um contraste entre a habilidade de quem já viu de tudo, e a minha azelhice.

(Mas podiam ter-me avisado que aquela caganita era só a versão Beta das fezes de bebé!)


sem querer subestimar ninguém – até porque ainda não passei pela expª e se todos os pais e mães falam do cócó dos seus bébés é porque deve ser algo estrondosamente relevante e impressionante – mas… ao fim e ao cabo, que raio de fixação têm os jovens pais com o conteúdo das fraldas que adoram falar sobre isso?!?!?


Cara Luísa,

Não há nenhuma relevância dentro das fraldas dos pequenotes, a não ser a verdadeira incógnita que é cada muda. O que muda:
1) consistência
2) côr (um leque cromático tremendo)
3) dispersão
4) cheiro
É uma verdadeira sinestesia e surpresa, sempre acompanhada de uma exclamação do género: “eh pahhh, grande larada, ò João vem cá ver isto!!” ou “ai filho… que não se pode estar aqui!” ou até mesmo ver já a desgraça a sair pelo pescoço…
…se a estas circusntâncias juntarmos o facto de elas ocorrerem mais de uma dezena de vezes por dia (entre suspeitas, chegar o nariz perto, sentir os gazes da criança borbulhar ao teu colo e pensar: “será desta?”)… e se queres ter o rabinho do filhote sempre sequinho e são… então diria que o recém papá é um verdadeiro obcecado pelo conteúdo da fralda do seu petiz… e não é para menos!

Se a isso tudo juntarmos as bolsadelas em cima do fato ou das calças lavadinhas recém vestidas… já para não falar quando não to faz directamente pra cara…

Mas, palavras para quê… aqui tens http://www.youtube.com/watch?v=kF4I3lvbE2E


Aaaaah! Então era isto… Obrigada pela explicação! 🙂


Percebeste, então, agora…. que basicamente os bébés se cagam a toda a hora e por todo o lado! Uffff, fiz-me entender 🙂

Deixe o seu comentário