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O Super-Saco!

Quando era puto, tinha eu os meus frescos 18 anos de idade (seria estranho se eu tivesse os seus 18 anos, não?), convenci-me que toda a malta que chateei desde criança se organizaria e viria atrás de mim para me queimar num espeto, numa espécie de ritual da Idade Média.

Por isso, preparei Рe mantive habilmente escondido dos meus pais (ajudou ter uma arrecada̤̣o cheia de tralha que ningu̩m visitava durante anos a fio) Рaquele a que chamei o meu Super-Saco.

Em que é que consistia o Super-Saco? Basicamente, tratava-se duma grande mochila de viagem com uma criteriosa lista de bens essenciais que me permitissem sobreviver sozinho até perceber qual o passo seguinte. Algo em que eu pudesse pegar, colocar às costas e que me permitisse pirar-me a correr logo de seguida.

O conteúdo era mais ou menos este:

Рmeia-d̼zia de latas de atum (ṣo muito proteicas, conservadas em azeite, com grande prazo de validade e ricas em Omega3, embora na altura ningu̩m falasse nisso)

– algumas latinhas de leite condensado

– uma lanterna com pilhas (e algumas pilhas de reserva)

– um Walkman da Sony, daqueles de cassete (a cassete era aquilo que existia antes do CD, que foi aquilo que veio antes dos downloads piratas)

– um cantil com água

– um pequeno estojo de costura com agulhas e linhas

– um canivete suíço com tudo e mais alguma coisa

– um tubo de pasta de dentes Colgate (lá porque um gajo é foragido, não quer dizer que tenha de cheirar mal da boca)

– uma escova de dentes partida ao meio (não só para ocupar menos espaço, mas porque o resto da escova podia assim ser utilizada como cunha para uma mesa ou para realizar uma endoscopia com uma linha de pesca)

– linhas de pesca e anzóis

Рum mini-basṭo de baseball para defesa pessoal

– a Penthouse de Novembro de 1992, com fotos da Alexis Christian e um artigo espectacular da Patricia Axelrod sobre a primeira guerra do Golfo (bem, na altura, era a única. Só depois de ter ocorrido uma segunda guerra no Golfo é que aquela passou a ser conhecida como a primeira…)

– um caderno para anotar as minhas memórias (mais tarde, no ensaio que fiz, vim a descobrir que os melhores cadernos para foragidos são aqueles com agrafos na lombada. O caderno de espirais deixou-me uma marca na nádega esquerda que ainda hoje não saiu…)

– duas canetas (uma delas podia falhar, ou podia ter de utilizar uma das canetas como arma, assim guardava aquela que gostasse mais…)

– alguns cartões telefónicos pré-carregados

– uma tenda de campismo para duas pessoas

– um saco-cama e uma pequena manta polar

– um par de botas da tropa

– vários pares de boxers, várias meias, t-shirts e um casaco daqueles camuflados à tropa

– um par de chinelos de praia (não me perguntem porquê… estavam lá na arrecadação e consegui enfiá-los bem no saco)

Рum exemplar do Correio da Manḥ (era o meu papel higi̩nico. O jornal ocupava menos volume que um rolo de papel. Mesma fun̤̣o, forma mais vantajosa)

– um pacote de biscoitos de cão (podia ter de fazer amizade com algum cão feroz, e levar biscoitos pareceu-me um bom princípio para essa bela relação homem-besta. E se tivesse fome, sempre podia comê-los. Os biscoitos, não os cães…)

– uma máquina fotográfica daquelas descartáveis da Kodak

– um pequeno estojo de primeiros-socorros

Até hoje, ninguém se chateou comigo a ponto de organizar semelhante comitiva de linchamento. E as pessoas que se chatearam deixaram de me falar ou desapareceram do mapa.

Passados quase dezasseis anos da constituição do meu Super-Saco, ainda não precisei de o utilizar. Pensei em leiloá-lo para uma obra de caridade qualquer. Mas esse é o tipo de coisas que rende alguma massa quando se é famoso. Como sou um Zé Ninguém, provavelmente teria de oferecer o próprio saco aos pobres, por falta de licitações.

Entretanto, tenho-o actualizado frequentemente. Tenho trocado as latas de atum (para os prazos de validade se manterem sempre alargados); mandei fora os cartões telefónicos (com os telemóveis que há hoje, já não são tão necessários); em vez do Walkman levo o meu iPod, que não só serve para ouvir música como pode também servir de lanterna (e ocupa menos espaço); já não preciso dum bastão de baseball porque a minha barba esconde na perfeição a cara de puto que está por baixo, e assim fico com ar mais medonho; a Penthouse de Novembro de 1992 foi parcialmente comida por traças, e com as fotos que tenho no iPod também já não preciso de levar revistas; e com isto consegui reduzir substancialmente o peso e volume do saco.

Pena que nunca tenha tido necessidade de o utilizar… no entanto, a minha história não é diferente da história de todos vós. Todos passamos a vida a pensar e a preparar-nos para merdas que nunca acontecem. E por vezes ignoramos as mochilas e sacolas mais pequenas que estão ao nosso lado e que, apesar de não conseguirem acartar com uma tenda de campismo, não deixam de representar uma excelente relação qualidade/preço.




Só para veres como as coisas são, em vez de um super saco tenho 6 mochilas médias prontas para o que der e vier estrategicamente colocadas:
Uma em cada carro, uma por casa e uma na caravana que tem a vantagem de poder fazer de casa longe (daqui). Todas elas prontas para bazar agora, se for preciso, comida e água para três dias em cada uma, enfim, tudo o que mencionaste mas para quatro. Porque agora tenho fêmea e crianças, o espaço antes dedicado à pornografia deu para naifas de mato, verylights, toalhetes limpa cús às resmas (gastas menos cuecas) e um carregador solar para vários aparelhos que ainda não testei. Sim, aqui fui papado.

Nota-se muito que passámos parte da adolescência juntos?
Um dos kits prevê uma garrafa de Absolut Kurant para fins medicinais. Curante, portanto.

Aaah! O doce tilintar das garrafas na mochila…


Hmm… o tilintar das garrafas da mochila, a peregrinação da Trafaria até à praia de São João (ou lá o que era), e um certo senhor – agora conhecido por Dr. Jeep – com quem um certo empregado escurinho dum café decidiu embirrar, ao que o dr. Jeep lhe terá dito no final, pagando com a quantia exacta, que “o escurinho pode ficar com o troco!” Hehehe…
Acho que se pode dizer que gosto de mochilas desde essa altura. 😉

Abraços!


outra vantagem da mochila ̩ servir em caso de terramoto: mesmo que todos os que te detestam pere̤am nessa altura, continua a dar jeito e a granjear novos amigos Рpodes sempre trocar uma lata de atum por um gole de ginjinha!

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