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Tolerância de ponto

O povo português é difícil de compreender. Deve ser por isso que dá tanto gozo viver neste país (vindo de alguém que já viveu num país mais evoluído). Os portugueses ora insultam facilmente a sua classe política, acusando-a de ladroagem e responsabilizando-a pelas coisas mais absurdas; ora batem palminhas quando ouvem as palavras “tolerância de ponto”, qual cãozinho sentadinho a receber um biscoito do seu dono amigo.

Antes de mais, gostaria de deixar aqui bem claro que não subscrevo aquele argumento de que “se os pusemos lá, a culpa é nossa”. Sim, é verdade que os pusemos lá. Mas isso é o mesmo que sermos culpados dum acidente de autocarro só porque comprámos o passe. Tal como tem de haver um motorista para cada autocarro, também tem de haver uma classe governante em cada país. Se os políticos não se comportam à altura daquilo que esperaríamos deles, isso faz de nós péssimos avaliadores de carácter, mas nunca culpados.

Ora o governo, na sua infinita benevolência, uns dias antes do Natal, virou-se para os seus funcionários e disse qualquer coisa como “Meus amigos, o país está a atravessar uma crise profunda. E como nós sabemos que vocês andam cansados e deprimidos, vamos fazer qualquer coisa por vocês!”. “O quê? O quê? Um aumento, sr. Ministro? Melhores condições de trabalho?!”, perguntaram os funcionários em uníssono, com um ar sorridente e a dar ao rabinho. “Não. Vamos dar-vos TOLERÂNCIA DE PONTO NO DIA 26!! Sim, é verdade! Nesse dia, não precisam de vir trabalhar!! Quem é amigo, quem é?”

Os funcionários públicos entraram em êxtase! Diz quem esteve em Lisboa nesse dia que, à hora da saída do expediente, a cidade mais parecia um musical de Bollywood, tal era a alegria que inundava as ruas da capital.

Até que um senhor nortenho, presidente da Câmara do Porto, de seu nome Rui Rio, com um ar de mafioso acabado de sair duma série dos Sopranos (é impressão minha ou qualquer nortenho de fato parece um mafioso?), bateu com os punhos em cima da mesa e disse qualquer coisa como “Forget about it! Tolerância de ponto? Nem pensar! O país está em crise! Dia 26 trabalha-se e mai nada! Passem-me mais um pouco desse linguini.”

Ora… chamem-me cretino ou fascista ou o que vos apetecer, mas… o homem tem ou não tem razão? Quando é que mais temos de fazer dieta? Quando estamos gordos ou quando estamos magros? Não será o trabalho um daqueles remédios santos contra, deixem cá ver, a doença da pobreza ou da crise, por exemplo? Será que os funcionários da Câmara que se encontram revoltados pararam para pensar que há centenas de milhares de pessoas neste país que, neste momento, não podem sequer dizer que têm um emprego para onde ir?

Até onde é que vai a cretinice dos portugueses? O Governo diz-lhes que podem não trabalhar no dia 26, e não se questionam? Serão como burros atrás duma cenoura bafienta, ignorando os deliciosos fardos de palha que se encontram à beira da estrada? Vendem-se por um diazinho de férias, dando-se ao luxo de se sentirem descriminados por não poderem usufruir dele?
Mas desde quando é que alguém, com um emprego comum, não trabalhou num dia útil de 26 de Dezembro?

Olhem para o caso do próprio Rui Rio que, às 11:30 da manhã, lá se apresentou ao serviço, tendo sido conduzido até às portas da Câmara pelo seu motorista no seu Mercedes série S. E a seguir saiu do gabinete para ir inaugurar algumas obras e almoçar com alguns executivos. Não me digam que o homem também não estava ali a dar no duro, educando com o seu exemplo!

Hoje, no elevador do meu prédio, apanhei uma parte duma notícia em que o locutor rezava que a “Europa (do Euro) dos 12 está a usar Portugal como exemplo do que não se deve fazer”. E embora isso me tenha feito logo pensar “Bem, se não somos um exemplo do que se deve ser, ao menos que sejamos um exemplo do que não se deve ser”, essa teoria caiu rapidamente por terra. É que os exemplos do que não se deve fazer são bons para os outros. Não para nós. Os outros podem sentir-se orgulhosos por não seguir os nossos exemplos. Nós devíamos sentir-nos envergonhados.

Enquanto tivermos este hábito cretino de olhar para o Estado como o culpado de todos os nossos problemas, não vamos estar a olhar para os nossos problemas. Como é que nós portugueses – que não conseguimos coisas tão simples como chegar a horas a lado algum ou comprometermo-nos com um encontro sem trinta confirmações prévias – estamos à espera que o Governo (que é constituído por portugueses como nós) efectue o milagre de nos tirar deste buraco? Isso não será esperar um bocadinho de mais? É ou não é verdade que nós, portugueses, olhamos o Estado como sendo a barriga da nossa mãe? Culpado de tudo o que nos acontece de mal, responsável por tudo o que nos devia acontecer de bom?

Querem um país melhor? Então parem de se queixar, bando de preguiçosos! Quem é que tem paciência para aturar aqueles familiares hipocondríacos que passam o tempo a discutir a consistência das fezes?
Cheguem a horas aos sítios. Comprometam-se com as pessoas. Deixem para amanhã, não deixem para depois de amanhã. Ou então estejam-se nas tintas, mas depois não se queixem.
No fundo, gozamos com as peixeiras dos mercados, mas somos todos um bando de “profissionais de peixe”. Talvez saibamos ler e escrever um bocadinho melhor que elas, e talvez cheiremos menos a peixe (alguns…), mas temos as mesmas escamas em cima da roupa e da pele. Mais um pouco destas indignações por “ter sido obrigado a trabalhar no dia 26” e ainda começamos a criar guelras e a respirar debaixo de água (ok, isto talvez fosse cool).

Será de admirar que os políticos façam dos mercados pontos de paragem obrigatória? Pudera! Não é que as peixeiras sejam estúpidas. Eles querem é tocar naquilo que elas têm em comum com todos nós e observar a reacção (uma vez que as nossas reacções estão um pouco mais escondidas por trás de roupas de preços inflaccionados, perfumes, educação e outras merdas).

Interessante era, eventualmente, um dia, com calma, sem grandes chatices, sem grandes pressões, lentamente, sem medo de perder as próximas eleições; que um político com tomates se chegasse à frente e dissesse qualquer coisa tão simples como “Portugueses, a mudança começa em cada um de nós, e não no Estado. Mudem um bocadinho e obriguem-nos a mudar também.”

(obviamente que todo este post foi motivado pelo simples facto de que eu não sou funcionário público… Sim, também tive de vir trabalhar no dia 26, ò caneco!!!




Vivemos num país que infelizmente se rege pela famosa lei do menor esforço. A única coisa que nos interessa é que alguém nos pague no final do mês, e se isso acontecer faremos apenas o mínimo necessário para que isso se volte a verificar no mês seguinte.
O facto de nos dizerem que teremos mais um dia sem fazer nenhum vem simplesmente auxiliar a condição enferma que parecemos padecer, de seu nome, síndrome de preguicite crónica. Já não é aguda, pois já está de tal modo enraizado no nosso modo de vida, que vamos precisar de algumas gerações para curar a população.
Não quero que me considerem pessimista mas, na minha perspectiva não médica, esta é uma doença altamente contagiosa, pois basta existir um membro de uma equipa exibir os primeiros sintomas, para que se multiplique rapidamente o número de indivíduos contagiados. Apenas alguém que tenha uma grande imunidade a esta condição consegue resistir e continuar a trabalhar. São estes espécimes raros que tentam manter o barco a flutuar.
Enquanto não compreendermos que o objectivo flutuar não é suficiente, e que todos temos de trabalhar para conduzir a nossa nação a bom porto, creio que vamos continuar a afundar cada vez mais e cada vez mais seremos o exemplo do que não se deve fazer.


Começo a ficar farto de toda esta hipocrisia.
Querer fazer pouco ou nada e ganhar muito, é mau? Não é esse o objectivo de toda a gente?

Isto afinal não passa é de inveja. Caracteristica de quem ficou aquém de cumprir com o objectivo e tem de trabalhar muito e receber pouco, olhando para os outros que tiveram sucesso (ou algum grau de) a atingir o idílico “ganha bem e faz nenhum”.

Eu assumo: quero ganhar escandalosamente bem, e passar os meus dias a fazer o que me der na real gana.
Nem que me tenha de matar a trabalhar para lá chegar.


O meu objectivo (falo por mim) não é fazer pouco e ganhar muito. É fazer algum, em condições agradáveis, e divertir-me. E, se possível, ganhar muito enquanto faço esse algum.

O problema é que a maior parte das pessoas parecem estar condicionadas para achar que o trabalho e o gozo não podem ser a mesma coisa.


E eu, provavelmente, sou uma dessas Pavlov-pessoa.

Snif… snif…

Diz-me, ó guru dos gurus. Que devo fazer?? Quero sentir prazer no meu trabalho, de tecnico superior de limpeza, higiene e saneamento de esgotos.


Podes começar por tirar prazer do teu emprego sabendo que estás a deixar a cidade mais limpa para pessoas como eu usufruirem dela. Por isso, obrigado! 🙂

Alternativamente, aconselho umas sessões de psicoterapia. E estou a falar a sério. Eu fiz psicoterapia há um ano e tal e foi um verdadeiro life-saver. No fundo, andei a ser reprogramado e a aprender a pensar de outra forma. Foi interessante e iluminador. Procura um(a) psicólogo(a) que seja versada em PNL (Programação Neuro-Linguística).

(nota: este conselho é válido para todos os que o quiserem aceitar, exceptuando aquelas pessoas que acham que “isso de ir ao psicólogo é coisa de maricas!”)

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