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Sociedade paranóica

O recente aparecimento nos Estados Unidos de um site que contém uma suposta lista negra de homens infiéis está a causar algum furor. Chama-se Don’t Date Him Girl e já tem perto de 1 milhão de visitantes diários. Mais sobre este site nesta notícia do DN de hoje.
Dado o sucesso, fala-se da edição do mesmo site em espanhol (não nos esqueçamos que a comunidade hispânica residente nos Estados Unidos é gigantesca!), prevendo já o senso comum que o fenómeno se alastre rapidamente a todos os países e línguas.

Enquanto que a opinião pública se divide entre duas posições, aqueles que debatem a legalidade e fiabilidade da informação; e aqueles que, provavelmente, acharão que também faria sentido um site idêntico para o sexo feminino (afinal, estatisticamente haverá tantas mulheres infiéis como homens), a verdade é que há uma questão de fundo que está a passar ao lado. Trata-se da paranóia generalizada.

Vivemos, como se refere tantas vezes, numa sociedade de informação. O problema está na definição que temos de informação. Como sou um gajo esperto, fui dar uma olhadela num dicionário. E entre as inúmeras definições que se encontram no dicionário da Texto Editores existe sempre um denominador comum. É a palavra conhecimento. Logo, para saber que raio é que esta coisa de informação que tantas vezes assenta na palavra conhecimento, convém também descobrir o que é essa história do conhecimento. Nova visita ao dicionário. Novamente, uma variedade de definições são apresentadas, umas mais vagas; outras mais formalmente fundamentadas.

Mas há uma que salta à vista, que é a suposta definição filosófica de conhecimento. Diz qualquer coisa como “[…]noção normalmente oposta à afectividade[…] designa a função teórica do espírito assim como o resultado dessa função, que tem como fim tornar presente[…] à inteligência um objecto (interno ou externo), de modo a obter dele um entendimento ou uma representação adequada.”
Talvez o João Troviscal me possa ajudar nisto, uma vez que é licenciado em Filosofia (sim, porque nós não somos um grupo de badamecos a mandar para aqui opiniões não fundamentadas!).
Mas o entendimento que eu faço da questão é que o conhecimento é, no fundo, uma abstracção da emoção com vista separar o trigo do joio. O descobrir do sumo por trás da casca.

Não tenho nada contra a informação. Gosto de andar informado. Gosto de saber quais as áreas mais problemáticas da cidade para saber onde posso minimizar a minha insegurança. Gosto de visitar o site do Instituto de Meteorologia de vez em quando, apesar deles raramente acertarem nas previsões. Mas quando a informação é seleccionada e utilizada como arma, torço um bocado o nariz.

Temos hoje listas negras que informam o p̼blico das empresas e contribuintes devedores. No entanto, ṇo ̩ mencionado o facto de que muitas dessas empresas e contribuintes ṣo devedores porque o Estado Рo pior dos devedores Рṇo paga a tempo e horas. Mas o Estado ṇo aparece na lista, pois ṇo?
Existem listas negras no Banco de Portugal. No entanto, os bancos que nos roubam à má fé – cobrando despesas idiotas como “comissões de manutenção de conta” – não entram nessas listas, pois não?
E agora teremos sites que nos informam sobre a fidelidade uns dos outros duma forma superficial e, provavelmente, errónea e fictícia.

É que é fácil acusar pessoas e entidades. Todos sabemos que não há notícia tão mediática como uma má notícia. Se alguém é acusado de ser violador, pedófilo ou trafulha, dificilmente se livrará desse rótulo. Isto porque a má notícia grita-se e ouve-se. O esclarecimento e o conhecimento, por sua vez, atacam de mansinho. Dão mais trabalho a descortinar. Não são elementos mediáticos. Logo, não têm direito a primeira página e o interesse decresce proporcionalmente.

Isto tudo para dizer o quê?
É que, quanto mais parecemos estar mergulhados nesta dita “sociedade de informação”, mais parecemos ter a tendência de usar essa informação (seja verdadeira ou falsa) para nos precavermos contra tudo e mais alguma coisa. Já dizia o Bill Hicks, há mais de dez anos, que quem ler as notícias actuais vai ficar com a sensação que, assim que sair da porta de casa, será atacado e violado por um Bulldog toxicodependente e infectado com o vírus da SIDA.

Há homens e mulheres infiéis? Claro que há! É essa a história do ser humano. É a liberdade que temos de fazer a nossa vida como bem entendemos, umas vezes tomando as opções correctas, outras vezes as opções erradas, que nos dá a possibilidade de crescer e compreender o mundo que está à nossa volta. É à cabeçada às mesas e cadeiras que os bebés desenvolvem o seu sentido de perspectiva. É à conta de tanto cairem e se levantarem logo de seguida que aprendem a andar. É por tantas vezes tentarmos fazer dieta que, um dia, até somos capazes de conseguir perder peso. Ou como diria o nosso amigo JC, “quem nunca pecou que atire a primeira pedra”.

Esta obsessão com a informação leva-me a crer que a Humanidade está a ficar cada vez mais amaricada! Queremos controlar tudo, saber tudo, minimizar as hipóteses de erro. Estamos a caminhar para um estado de vigília permanente onde um dia, que talvez já tenha estado mais distante, talvez consigamos ter um controlo supremo sobre todas as experiências e garantir sempre o que é melhor para nós.

Pelo que sou levado a perguntar: se o ser humano mais industrializado (no fundo, todos os ocidentais como nós) cada vez mais sente que tem de ter tudo sob controlo, porque raio é somos mais infelizes e cinzentões que aqueles que têm menos que nós?
Escrevemos parvoíces em blogs, na esperança de chegar a outros seres humanos. Somos uns chico-espertos porque sincronizamos o telemóvel com o computador via Bluetooth, temos um disco rígido externo para guardar os filmes e música que pirateamos da internet, arranjamos engates pela internet, masturbamo-nos em frente a ecrans de televisão e computadores, sonhamos com a felicidade que teríamos se nos saisse o Euromilhões.

E agora saberemos também as pessoas que teremos de evitar, pois são “almas infiéis” e que em nada se assemelham à nossa pureza e imaculidade de espírito.
Não estou para aqui revoltado pelo facto dum site como o Don’t Date Him Girl existir. Antigamente estas coisas corriam de boca-em-boca. Era o chamado “diz que disse” (onde é que já ouvi isto?). Hoje correm pela internet e a uma escala global.
Era bom é que as pessoas compreendessem que parece existir uma relação directa entre a quantidade de informação inútil que nos chega aos ouvidos e a sensação crescente que temos de nos faltar alguma coisa. De estarmos apenas meio vivos, sempre a achar que o melhor e o pior ainda estão para vir.

O melhor e o pior não estão para vir. O que está para vir é diferente, como sempre foi ao longo da nossa História neste planeta. Não é melhor nem pior. Somos seres propensos para a catastrofização excessiva e todas as gerações acham sempre que estão na crista do apocalipse.
Mas se queremos tentar ser um pouco mais felizes, acho que temos de aprender a confiar no risco como um factor fundamental do divertimento e satisfação. Ainda que, eventualmente, isso nos valha um valente par de cornos.




Em traços gerais, o conhecimento de um objecto é uma construção intelectual, apoiada em evidências empíricas e/ou lógicas, que pretende estar em conformidade com o que se poderá chamar “a verdade” desse objecto.
Tradicionalmente, opõe-se à opinião (doxa) que, sendo também uma construção intelectual que pretende representar um objecto na sua verdade, não se apoia em suficientes evidências empíricas e/ou lógicas.
Neste ponto, coloca-se a questão: haverá alguma diferença qualitativa entre o conhecimento verdadeiro e a opinião verdadeira (ortho–doxa)? Será uma suposta “evidência” empírica suficiente para conferir a uma hipótese a solidez de uma certeza? Se observarmos a questão à luz de teorias epistemológicas falsificacionistas, a resposta só parece poder ser negativa…
“Separar o trigo do joio” ou “descobrir o sumo por detrás da casca” são analogias que parecem estar em conformidade com a definição de conhecimento apresentada, na medida em que aludem ao processo cognitivo de ir aos dados sensíveis, e a partir deles, seleccionar os elementos relevantes para construir uma “imagem mental” verdadeira do objecto em causa.
Ainda assim, as palavras não se dão sem contrapartidas e, embora à luz da interpretação dada, as analogias do André Toscano pareçam razoavelmente consensuais, a verdade é que, em teoria do conhecimento seriam, no mínimo, discutíveis:
A imagem do “sumo por detrás da casca” é particularmente preciosa neste contexto, uma vez que é reminiscente da clássica teoria platónica do conhecimento. Para Platão, o conhecimento autêntico consistia em ir além das aparências (sensíveis) para tomar contacto com o verdadeiramente ôntico. É a chamada “Teoria das Formas (ou Ideias)” que, terá como exemplo textual mais famoso a “Alegoria da Caverna”, presente n’A República.
Já Kant defendia que, de uma coisa, só se podem conhecer as suas manifestações sensíveis. Ou seja, só poderemos conhecer as aparências, ficando a coisa-em-si para sempre envolta em obscuridade (só podemos conhecer o “fenómeno”, o “númeno” é-nos opaco).


Fiquei com dores de cabeça (e não foi por me ter crescido algo na dita).


Se os Srs. do DQD continuam com este tipo de posts, sou obrigado a incluí-los na lista do dito site. Vão enganar outro!

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