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A ode do gestor cansado

Raramente costumamos criticar filmes, discos ou livros neste espaço. Não por falta de vontade. Apenas por falta de autoridade intelectual. No entanto, há obras que não devemos deixar passar. Uma delas é o último livro de poemas de Eduardo Sousa Raz, intitulado A ode do gestor cansado.
Para além de ser um trabalho essencialmente auto-biográfico, Sousa Raz (Água Rás, como era conhecido pelos amigos) expõe-se e reafirma-se como ser pouco pensante e manietado pelos vícios da sociedade moderna. Uma obra a não perder, da qual apresentamos aqui um breve excerto (esperando que a editora Minério não nos caia em cima por causa disso).

A ode do gestor cansado

Quero e não quero!

Não quero lidar com conflitos.
Não quero aprender a gerir o tempo.
Não quero dar atenção aos apitos,
Sejam dourados ou de côr qualquer.

Não quero saciar a minha fome
Nem matar a minha sede.
Pendurar quadros para aproveitar
pregos que se encontram na parede.

Não quero que o Inverno chegue.
Ter de desligar a ventoínha da sala,
ou o ar condicionado do quarto.
Feliz ficarei por ficar arrepiado.

Não quero ganhar mais dinheiro.
Nem voltar a fazer outsourcing.
Deixar caducar as minhas apólices,
e plantar um cacto ou um sobreiro.

Não quero começar mais frases começadas por “não quero”.
Não quero manter-me fiel às decisões acabadas de tomar.
Não quero perder peso e viver a perseguir
uma imagem salutar e sorridente.
Dar o lugar a velhos e deficientes.
Tirar roupa da máquina porque o programa acabou.
Atender o telefone móvel só porque tocou.
Comprar um sofá porque as pessoas precisam de se sentar.

Não quero escrever só porque posso.
Não quero foder porque é esperado.
Não quero vestir roupas que condigam.
Nem pagar impostos ao chulo do Estado.

Quero ler livros ao mesmo tempo.
Quero ouvir discos em simultâneo.
Pôr a máquina a lavar novamente,
Gastar as cores em gradiente.

Lavar os dentes com a mão esquerda,
mesmo sabendo que não sou canhoto.
Limpar o cu de trás para a frente.
Cortar o cartão de crédito com tesoura.
Lavar-me de frente e não de costas.
Escrever só porque posso.

Quero fumar e apanhar cancro.
Quero beber e escrever em seguida.
Sentir-me exposto e humilhado,
ao ser publicamente violado
pelo líder duma matilha.

Quero ser sexualmente subjugado
pela fantasia da Gata Borralheira.
Aos êxitos de Bollywood dançarei drogado,
Usando calças que me exponham o rabo,
sempre que me sentar numa cadeira.

Quero olhar com desdém
para alguém que cuida de si.
Quero ser mal educado
para alguém que não merece.

O que eu quero é uma gueixa.
Submissa, muda e insatisfeita.
Morder a mão que me alimenta
e cuspir na boca que me beija.

in A ode do gestor cansado, de Eduardo Sousa Raz (Editorial Minério)




Bolas, pá :O Eu Não Quero conhecer esse Eduardo Raz! Só de pensar que o gajo anda aí a cuspir na boca que o beija.. pior do que isso só mesmo beber Lipton Ice Tea da boca de alguém.. blhaaaac 😉


Tem o seu “quê” de Punk.

Gostava de ver os Mão Morta a interpretar isto.


Será o Bocage dos nossos tempos?! Não sei, mas se alguém tem que ser o ser, apostava neste Raz. Que génio.


Dou-me a explorar do Diz que disse, cortesia da publicidade de nuno markl no seu blog, e dou-me de caras com uma poesia esclarecida.

Sinto-me tentado a comprar o livro, desde que não me cuspam em cima.

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