siga-nos nas redes
Facebook
Twitter
rss
iTunes

Sugestão cinéfila

Devo confessar, sem falsas modéstias, que sou um cinéfilo inveterado. Digo sem falsas modéstias porque, para mim, é um motivo de orgulho ter uma apreciável cultura no que à Sétima Arte diz respeito. E, embora me esforce por me manter actualizado, há um conjunto de filmes a que volto vezes e vezes sem conta. São aqueles clássicos que agarram, que comovem, que fazem “mexer” qualquer coisa cá dentro, independentemente das vezes que os vemos.
Ainda são alguns os filmes que me fazem sentir assim: o Morangos Silvestres ou O Sétimo Selo (ambos do Bergman), o Vampyr (Dryer) ou o Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore), entre outros. Ainda assim, estes filmes, apesar de inequivocamente bons, não passam de pesos-pluma ao pé daquele que é, seguramente, o melhor filme de todos os tempos. Falo, obviamente, do clássico de 1997, realizado por Hark Tsui, Duplo Team.
A magia deste filme começa logo pelo extraordinário triunvirato de actores: Jean-Claude Van Damme, Dennis Rodman (como os “bons”) e Mickey Rourke (no papel do diabólico Stavros). Desta magnífica ensemble só poderia resultar material de primeira água… No entanto, estes três actores acabam por apresentar desempenhos que, ao invés de servirem de exercício onanista de demonstração dos seus talentos ímpares, servem, única e exclusivamente (poderia ser única, mas não exclusivamente, ou mesmo exclusivamente, mas não única; contudo isso não acontece aqui: é mesmo única e exclusivamente) para apresentar e sustentar o magnífico guião de Don Jackoby.
A narrativa fervilhante e inventiva desta obra cativa e prende o espectador, sem no entanto cair no facilitismo, ao longo de toda a duração do filme. Ainda assim, seria impossível e injusto proceder a uma análise deste trabalho, sem nos determos mais demoradamente no seu apoteótico culminar. Trata-se de uma sequência final que, pela sua riqueza poética e simbólica, ganha um lugar de destaque na história da Sétima Arte. É o momento do confronto final da personagem de Van Damme com a sua némesis (Mickey Rourke). O palco deste confronto não poderia ser mais apropriado: o Coliseu em Roma. Desta forma, o cineasta lança ao público uma subtil mensagem, como que dizendo que a sua obra, embora transpirando modernidade (pós-modernidade, poder-se-ia dizer), se encontra bem alicerçada na tradição clássica (é, pois, uma sentida vénia). É na arena histórica que o combate final se desenrola; um combate que, naturalmente, se joga em duas dimensões: por um lado, o combate dos corpos, na sua implacabilidade visceral, bem sublinhada pela genial coreografia da luta dos hodiernos gladiadores e, por outro, o combate metafísico, mais antigo que o tempo, entre o bem e o mal.
No entanto, a emotividade desta luta não faz mais do que preparar o espectador para o que se segue. O melífero Stavros morre, ao ser despedaçado por uma mina anti-pessoal que (sublime ironia) ele próprio tinha trazido para o confronto, mas que acabou por servir para a ardilosa personagem de Dennis Rodman (que, neste particular, se contrapõe à de Van Damme, mais pragmática) lhe montar uma fatal armadilha. Mas o estropiamento do vilão não é sem consequências: ele desencadeia uma explosão de enormes proporções que confere ao capítulo final da obra um tom verdadeiramente apocalíptico. O Coliseu ameaça desabar com a explosão. Após a vénia feita, temos a ruptura violenta, por parte dos autores, com a tradição, num exercício desconstrutivista. O facto de os heróis estarem ainda lá dentro, fugindo à eminente aniquilação do edifício também é significativo: o ambiente verdadeiramente infernal que irrompe no antigo Coliseu só pode ser interpretado como uma alegoria para um ponto de vista niilista sobre a vida e o mundo. À eliminação física daquele monumento de outrora corresponde a erradicação de um sistema de valores do mundo. Mais ainda! O facto dos dois heróis correrem para a sua salvação levando um bébé nos braços é ainda mais inquietante e poderoso: como criar uma criança num mundo abandonado por Deus? Que saída, que existência é possível sem referenciais éticos? Por isso, o Duplo Team é, também e talvez acima de tudo, uma reflexão poderosa sobre a paternidade num mundo desencantado. Aliás, o filme chega a ser premonitório ao abordar questões que hoje, quase dez anos volvidos, estão na ordem do dia: o cineasta, ao colocar Rodman e Van Damme a correr lado a lado com uma criança nos braços, oferece à discussão a questão sobre o tipo de educação que um casal homossexual pode dar. É certo que a relação homossexual entre os dois protagonistas nunca é explicitamente abordada ou assumida, mas creio que isso se deve à lógica puritana (ou talvez anti-polemista) da indústria de Hollywood. Seja como for, creio que estes momentos finais do filme não deixam qualquer margem para dúvidas.
Mas estas são considerações para um outro estudo. Voltemos à obliteração do Coliseu. A dada altura, tudo parece perdido. Os corredores são muito longos, e o fogo serpenteia pelos mesmos bem mais depressa que os nossos heróis. O mundo caótico, selvagem e sem regras prepara-se para, indiferente, esmagar o triplo team (não esquecer a criança). Mas, no último instante, aparece a salvação: os homossex – perdão! – os heróis encontram a única coisa capaz de resistir a uma explosão suficientemente grande para deitar abaixo o Coliseu de Roma: uma máquina de Coca-Cola. Refugiando-se atrás desta máquina automática, as personagens principais, e a criança, escapam a uma morte certa. Com este deus ex machina (literalmente), os autores deixam-nos duas mensagem poderosas. Primeiro, que devemos construir abrigos anti-nucleares a partir de máquinas de venda automática de Coca-Cola (Coca-Cola! Pepsi não serve!) e, segundo, que afinal não vivemos num mundo sem valores. Deus existe! O seu nome é “Capital”.




brilhante!!

tás lá!

esse filme é mesmo do outro mundo!!


Concordo!
Esta crítica está perto de genial!
You did it again, João!
Pena não ser tão engraçada como as críticas verdadeiras que os nossos intelectuais publicam nos jornais. Mas vamos com calma. Somos novos. Havemos de lá chegar… 😉


Van Damme e Rourke??? Hummmmm!!


genial…é isso td!


Absolutamente genial! Quase me deu vontade de ver o filme… Quase… xD

Deixe o seu comentário