A vida movimentada que vivemos quotidianamente nas grandes cidades pode ser extremamente desgastante. É por isso que eu, de vez em quando, tenho de fazer uma pausa para repor energias. Quando isso acontece, e porque o tempo continua, impiedosamente, a passar, dirijo-me ao café ou pastelaria mais à mão, e ingiro rapidamente qualquer coisa de leve. Como uma sandes mista (sem manteiga!), por exemplo.
Contudo, uma coisa curiosa acontece-me de todas as vezes que me vejo em tal situação. Tudo começa com uma pergunta aparentemente inocente:

-Chefe, o fiambre da sandes é fiambre da perna extra?

Ao que o solícito comerciante responde, enchendo o peito de ar e fazendo uma solene pausa dramática, que em muito contribui um ar de gravidade/grandiosidade, diz, não disfarçando a naturalíssima vaidade:

-Ah! Meu caro amigo! Mas naturalmente… O nosso estabelecimento orgulha -se de só utilizar o melhor fiambre da perna extra na elaboração da nossa sande mista.

A minha resposta, entoada com uma indiferença que chega a ofender o orgulho do bom comerciante, é geralmente esta:

-Pois… E não tem fiambre da perna ordinária?
[Pequeno aparte: se calhar, até é mesmo a perna extra que é a ordinária; mas isso é assunto para ser discutido mais à frente no post…]

Quando me dirijo à secção de charcutaria de qualquer hipermercado (ou mesmo supermercado, ou até à tradicional mercearia do bairro) algo de semelhante acontece. Só que aqui, o entusiasmo do Sr. do café tem a sua correspondência nas letras garrafais que adornam as embalagens do dito produto: «Fiambre da Perna EXTRA» e, a complementar este aspecto, há a registar também um aumento no preço relativamente às embalagens que dizem, singelamente, «Fiambre da Perna».

Tudo isto, meus amigos, é bem capaz de ser a mais genial manobra de marketing alguma vez engendrada. De facto, é preciso coragem e talento para conseguir convencer as pessoas que a perna extra do porco produz melhor fiambre do que a perna dita “normal”. Mais ainda: para conseguir convencer os consumidores de que vale a pena despender mais alguns cêntimos por um produto desta proveniência.
Agora, o que me faz confusão, é ninguém achar estranho (para dizer o mínimo) a existência de pernas extra nos porcos.
É que, a mim, isto parece-me preocupante! Eu estive a pensar no assunto (infelizmente, só posso falar no teórico absolutamente abstracto, porque isto das carnes frias tem segredos mais bem guardados que os mais mediáticos casos de pedofilia da nossa praça…) e cheguei à conclusão que só há duas possibilidades para a existência destas “pernas extra”.

1º: É possível que nas caves secretas das instalações da Sicasal, ali para os lados de Vila Franca do Rosário, estejam instalados laboratórios de engenharia genética, equipados com tecnologia de ponta, onde equipas de cientistas conseguiram desenvolver (através de manipulações dos genes do porco comum) uma nova espécie de porcino: um porcino com 5 patas, em que esta quinta pata produz fiambre de maior qualidade.
Se for este o caso, embora seja algo um pouco repugnante e assustador, a situação até nem é muito má. Afinal de contas, já se fez coisas do género com os cereais. Ainda assim, parece-me um bocado futurista e improvável (estamos no ano 2000, ou quê?). Passemos, então, para a segunda possibilidade (infelizmente, assim o creio, bem mais verosímil).

2º: Pode ser que toda esta coisa de falar em “perna extra” seja, na realidade, uma forma eufemistica, inventada pela industria, de designar o, digamos… ahhh… aparato sexual do porco. (Se calhar, fica mais claro em contexto: «Eh pá! O animal foi direito à porca com a sua perna extra em riste, e aquilo é que foi! Até deu gosto ver…»). De maneira que temos aqui uma realidade bem mais perturbadora… Pensem nisto: a aceitarmos esta teoria, encontramos inclusivamente uma explicação para a diferença de preço entre os dois tipos de fiambre. Afinal de contas, por muito dotado que o porco seja, haverá sempre uma assinalável diferença de massa útil entre estas duas partes da anatomia porcina; e quanto menos carne houver, maior o preço.

-Olhe, pensando melhor, é uma sandes de presunto, se faz favor!

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