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Homofobia gastronómica

Já, por diversas vezes, me debrucei aqui sobre o tema da comerzaina. A razão para eu achar este tópico tão fecundo tem a ver não tanto com o facto de ser um alarve (embora, sem dúvida, isso ajude), mas mais com a convicção de que é possível saber, por intermédio dos comes e bebes, muito acerca da identidade cultural de um povo. Mais do que a satisfação de uma necessidade fisiológica, o que realmente me move é uma preocupação de cariz intelectual, centrada em respeitáveis áreas como a etnologia ou mesmo a antropologia.

Vivemos numa sociedade do “politicamente correcto”, onde toda e qualquer palavra deve ser cuidadosamente medida. Mas nem sempre foi assim. Tempos houve em que as pessoas alegre e impiedosamente trucidavam (verbalmente, na sua expressão mais discreta) as minorias, por entre um copo-três e uma sandes de orelha. A gastronomia, ao manifestar esta sua capacidade de oferecer ao homem hodierno ecos de antanho, é fértil em exemplos que espelham claramente o desconforto vigente na época face a certas e determinadas aberrações, perversões e inversões patentes em alguns indivíduos do género humano.

Com efeito, há bastos exemplos na nomenclatura de géneros alimentares que, hoje, podem ser considerados politicamente incorrectos. É certo que, em alguns casos, os desconfortos resultantes nem terão tanto a ver com o item gastronómico per si, mas mais com um conjunto de condicionantes sócio-temporais. Um quadro hipotético a servir de exemplo: seria impossível não ouvir uns risos abafados e uns limpares de garganta se, numa qualquer pastelaria, aparecesse o Carlos Cruz a pedir um garoto quentinho, ou uma empada de miúdos. Da mesma forma, seria curioso ver um qualquer guarda-redes célebre a encomendar, alto e bom som, um frango assado numa churrascaria de Moscavide (ou, bem vistas as coisas, de qualquer outra localidade). (Um aparte: só mesmo para um guarda-redes é que meio-frango pode ser melhor do que um frango inteiro.)

Mas se há, como vimos, casos na gastronomia cujo desconforto depende de um agente externo ao item alimentício, outros há em que o ónus recai exclusivamente no próprio prato. O exemplo que só não é clássico porque este tipo de temáticas parece continuar a ser ignorada (num acto de continuada e vil injustiça) pela maior parte da massa pensante deste país, é o da “Punheta de Bacalhau”. Não me debruçarei aqui sobre este exemplo, até porque já dediquei, no passado, uma exposição algo alargada à categoria do bacalhau (o entusiasta da culinária pode encontrá-la aqui).

Outro exemplo (e sobre esse me debruçarei até ao final deste artigo), é o do “Frango à Maricas”. O Frango à Maricas é um prato que se confecciona no forno, e que tem a particularidade distintiva de ser cozinhado com um limão inteiro introduzido na cavidade resultante da extracção das vísceras. Diz-se, na gíria popular, que o frango “tem um limão enfiado no cu”. À partida, não parece ser necessário enveredar por uma grande investigação para perceber de onde veio o curioso nome desta especialidade. “Então, que nome é que havemos de dar a isto, hem?”; “Bom, tem qualquer coisa enfiada pelo rabo adentro, por isso, acho que terá de ser «Frango à Panilas», ou «Frango à Maricas», que tal?”; “Boa! Boa!”.
Mas delonguemo-nos um pouco nesta questão. Eu tenho alguns amigos homossexuais e, embora confesse que não tenho o hábito de andar a indagar sobre detalhes da sua vida sexual, estou convencido que uma das coisas que não deve fazer parte das actividades normais do dia-a-dia é andar a introduzir limões inteiros na cavidade anal (embora, obviamente, não possa garantir que tal não aconteça. O formato e a particularidade de o ácido cítrico ser irritante fazem-me acreditar que esta não será uma actividade agradável, mas é possível que um ou outro apreciador de limonadas já tenha feito a experiência). É por isto que eu acredito que esta nomenclatura resulta mais de uma visão impressionista, do que de um conhecimento profundo do fenómeno homossexual. É como se o criador do prato tivesse chegado ao nome através de um silogismo deste género:

– Os abichanados fazem coisas esquisitas
– Meter limões no cu é uma coisa esquisita

– Os abichanados metem limões no cu

Embora este seja um raciocínio falacioso, poder-se-á argumentar que a culinária funciona sob uma lógica própria. Uma vez cobraram-me quase 30 euros por uma espetada com dois bocados de tamboril, acompanhada por meia batata. Qual é a lógica disto?

Outro dado importante para a explicação deste nome terá a ver com o facto deste nome ter sido dado por um homem. Não tenho quaisquer provas históricas que sustentem esta tese (se me concederem um subsidio de investigação, posso tentar tirar um ano de licença sem vencimento a ver se obtenho alguns hard facts… Fica a ideia.), mas parece ser a única alternativa que faz sentido. Vejamos: embora os grandes chefs da culinária mundial sejam homens, há de admitir que (fora desse universo paralelo que é a haute cuisine), isso de andar de volta dos tachos é algo efeminado. É normal, portanto, que qualquer cozinheiro homem agarre, com unhas e dentes, a mais pequena oportunidade para afirmar a sua masculinidade, demarcando-se, de forma violenta, daqueles com práticas sexuais “alternativas”. Ora, inventar um prato em que se viola um frango com um limão é, apesar das leituras psicanalíticas que se possam fazer, uma oportunidade dourada para fazer esta demarcação.




E se fôr uma franga ou uma galinha? Muda para “Galinha Grávida”?

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