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Vamos a Fátima!

Não me considero uma pessoa particularmente religiosa. Não vou à Igreja, não rezo e, no fundo, nem sequer tenho uma religião. Mas isso não quer dizer que seja incapaz de apreciar ou de me comover com o fenómeno religioso e respectivos fiéis!
Seria uma pena fechar os olhos a toda esta riqueza quando vivo num país como Portugal. Tenho para mim que, em termos de religião, estamos lá no topo com os melhores. E, sem querer discriminar outros bonitos e importantes eventos religiosos, tenho de fazer referência a Nossa Senhora de Fátima e a todos os seus devotos. É uma coisa digna de ser ver: todos os anos (e mais do que uma vez por ano!) os peregrinos, pela berma da estrada, orgulhosos nas suas t-shirts da Nossa Senhora, imperturbáveis no seu objectivo de alcançar o Santuário a tempo da homilia… Os peregrinos de Fátima são os melhores do mundo! Acredito que se os peregrinos de Fátima se envolvessem numa luta de rua com, por exemplo, os peregrinos de Santiago de Compostela, estes haveriam de ficar arrumados em três tempos…

Mas afasto-me do assunto. Dizia eu que muito aprecio a religião e os religiosos. E é por isso (e os leitores mais assíduos sabê-lo-ão bem – basta recordar este post) que fico indignado quando certas e determinadas pessoas fazem batota com a fé!

Recentemente descobri que há um indivíduo, cá na nossa terra, que oferece um serviço algo invulgar: ir em peregrinação a um santuário à escolha pagar promessas de outras pessoas. É importante dizer que nada tenho contra o negócio deste senhor. O que não falta por aí é gente a ganhar a vida à custa da religião. Quanto muito, fico chateado por não me ter lembrado disto primeiro! Sinceramente, acho que eu seria um bom pagador das promessas de outrem: gosto, por um lado, de passeios a pé e, por outro, gosto também de receber avultadas quantias em dinheiro.

Pelo que percebi, a coisa funciona mais ou menos da seguinte forma: o leitor (por exemplo) faz a promessa que, se não lhe amputarem a mão por causa daquela unha encravada, vai a Fátima a pé acender uma velinha. Lá lhe tratam do dedo mas, depois, a vontade de fazer aqueles quilómetros todos acaba por enfraquecer um bocadito. Para não ficar a dever a entidades divinas, o leitor paga 2500 dólares a uma outra pessoa para ir lá ela e dizer qualquer coisa do género de “Ah, Nossa Senhora, lembra-se do fulano assim-assim? Ele mandou-me vir dá agradecer-lhe por causa daquilo da unha… Parece que está porreiro… Já consegue escrever e tudo… Preencheu o cheque como se nunca tivesse tido nada encravado! Bom, deixo-lhe aqui esta vela… Veja lá, não se queime com isso, hem!”.
(Um pequeno aparte: com a desvalorização do dólar, este tipo anda a perder dinheiro! É para aprender a não ser pretensioso! Porque é que ele não faz como certas estrelas americanas de hip-hop e começa a cobrar o cachet em euros?)

Eu não julgo as pessoas, mas isto é uma aldrabice pegada! Portanto, fazem um contrato em que estipulam que, se determinadas coisas acontecerem, ficam comprometidas a ir a pé até Fátima. Certas coisas acontecem, e quando chega a hora da verdade, mandam lá outra pessoa, e ficam convencidos que é a mesma coisa. Não é a mesma coisa! Nem sequer é parecido! Acham que Deus fica agradado com isto? Eu não sou Deus (talvez um dia…), mas se fosse não ficaria nada satisfeito com isto. Aliás, ficava com a sensação que me estavam a tentar enganar. Só para pagar a fineza, dava outra vez à pessoa aquilo que a tinha levado a fazer a promessa da primeira vez, mas com o dobro da intensidade!
Se não conseguem pagar a promessa, talvez não a devessem ter feito logo de início. É este tipo de gente que tira a beleza à religião! Ponham os olhos na devoção daqueles que se crucificam, naqueles que chicoteiam as costas em carne viva até entrarem em êxtase, nas idosas que, com as lágrimas a escorrerem pelas enrugadas faces, arrastam os joelhos afectados pela artrite no áspero pavimento! Isto sim, é bonito!

Trata-se de pagar promessas. É suposto ser difícil! É por isso que as promessas geralmente envolvem grandes empreitadas. Não se costumam fazer promessas do género de “se esta dor de dentes me passar, prometo que vou ao Rogério comer uma bruta mariscada!” (a menos que aquele que faz a promessa seja alérgico ao marisco – aí já está bem!). É por isso que eu não percebo esta gente que se lança à estrada, e depois vem-se queixar de que “lhe doem os pés”, “está muito calor”, “é muito longe”, “não há equipas de apoio suficiente e isto não se admite”… Da mesma maneira, não percebo aqueles que, quando vão de joelhos, usam uma almofadinha para não magoar no osso. Julgam que a Nossa Senhora não vê a almofadinha? É um ser divino; se eu vejo a almofadinha, a Nossa Senhora também vê a almofadinha! As autoridades eclesiásticas de Fátima deviam criar uma espécie de “árbitro religioso” que andasse no meio dos fiéis, de apito em riste, a fiscalizar este tipo de situações…

E, já que falamos em inovações em cargos religiosos, acho que os Padres, espalhados pelas igrejas do país, deveriam de receber formação em peregrinações, de maneira a serem capazes de aconselhar correctamente os fiéis a este respeito (até porque assim evitavam-se muitas situações de pessoas com mais olhos do que barriga, que prometem mundos e fundos, e que depois têm de pagar 2500 dólares a outrem para ir pagar a promessa). Seria uma espécie de personal trainer, mas aplicado ao acto de peregrinar. Os devotos marcavam uma reunião onde lhes era feita uma avaliação (compreendendo o grau de forma física e a gravidade da penitência), sendo depois elaborado um programa personalizado de peregrinação. Um homem de 20 anos, 70 Kg, absolvido de um homicídio? Apanha o comboio até Faro, e depois vai a pé daí até Fátima com uma mochila cheia de pedras às costas. Uma idosa de 75 anos que foi curada de uma dor na perna? Basta fazer a praça a pé e acender uma vela no santuário. Um jovem com tendências pedófilas? Deixa lá isso de Fátima e vai-te mas é inscrever no Seminário…




Eu proponho que se dê uma fusão operacional entre a ASAE e o clérigo, de modo a que os actos dos fiéis em geral (e dos peregrinos em particular) sejam fiscalizados com mais rigor. Poderíamos assistir ao nascimento da ASAER (Autoridade para a Segurança Alimentar, Económica e Religiosa).

Se alguma senhora for apanhada com almofadinha debaixo do joelho, a mesma ser-lhe-á apreendida, e a senhora será obrigada a pagar uma valente multa (ou, vá lá, apanhar boleia num carro da ASAER até ao Porto para começar a peregrinação do início).


Gostaria de rectificar que o chão do santuário já não é rugoso para os penitentes. Agora há um rastejódromo em mármore polido desde a Igreja da Santíssima Trindade até à Capelinha das Aparições. É SCUT, não se paga nada, e é sempre a descer. Uma fezada!


O já velhinho rastejódromo precisa urgentemente de obras de benefeciaçao, como por exemplo a criaçao de mais faixas para os rastejantes mais rapidos (e uns radares para prevenir), algumas estaçoes de serviço ao longo da via para reabastecer os niveis de liquidos, limpar as crostas, comparar escoriaçoes e lavar o sangue dos joelhos nas lavagens automaticas. Deverá igualmente ser preparada pela GNR-BT uma equipa que fiscalize o movimento da via.


De vez em quando, pelo caminho, acontecem uns acidentezinhos. Será que é o castigo para os que estão a fazer batota? Os acidentados serão pessoas sem fé e/ou pagadores de promessas? Será que fazem a caminhada pela galhofa? Deus não dorme.

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