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O mercado do Drive-in

O automóvel. Quem é que não consegue viver sem ele? (exceptuando talvez paralíticos, comatosos, ciclistas ambientalistas e gente pobre) Lembro-me dum anúncio, que passava há uns tempos na televisão (se alguém se lembrar da marca, que nos diga), em que o carro seria assumidamente tão confortável que as pessoas nem quereriam sair de dentro dele. E nem sequer mencionava se aquelas pessoas eram ou não as legítimas donas do automóvel!

Esse anúncio tocou-me a um nível muito sentimental, pois também eu possuo uma relação muito íntima com o meu automóvel. Não a ponto de o limpar e aspirar (coisa de maricas), mas suficientemente apaixonado para o querer proteger através de eficazes rituais mágicos (como alguns dos nossos leitores mais antigos se devem lembrar).

Também eu senti, como certamente muitos dos que me lêem também já terão sentido, a aura das capacidades protectoras do veículo. A sensação de protecção face aos elementos. A impunidade do condutor perante a chuva que lava impiedosamente os desgraçados que esperam na paragem do autocarro, ou das rajadas de vento que atormentam constantemente os anoréticos e lingrinhas deste país.

Bem vistas as coisas, um automóvel deve significar – bem lá no fundo, nas profundezas do inconsciente humano – um regresso ao ventre materno. Enquanto tivermos a porta trancada, ar condicionado a funcionar e gasóil no depósito, nada nos consegue perturbar o equilíbrio zen. E é por isso que sempre gostei dos conceitos de “drive-in” aplicados a restaurantes e cinemas. Acho apenas que devíamos investir em mais soluções drive-in. Afinal, estamos na era da mobilidade!

São agora 12.41 e já tenho quatro emails de vendedores de produtos informátivos na minha caixa de correio. Dois deles estão a fazer promoções a computadores portáteis, um deles a pens USB e o quarto a aparelhos de GPS. Parece-me óbvio que esta história da “mobilidade” não é apenas uma moda passageira. Aliás, é passageira relativamente a quem estiver parado. Quer dizer, não é intrinsecamente passageira, é apenas fisicamente passageira… Aliás, as próprias modas são passageiras, é por isso que são modas… bem, como vêem, esta coisa das tecnologias é confusa. Não me admira que o passatempo preferido dos meus avós continue a ser as belas das palavrinhas-cruzadas…

O que parece é que toda esta insistência na mobilidade apenas nos transmite a ideia de que, brevemente, as casas deixarão de ter importância para o ser humano. Se tivermos a nossa vida organizada dentro dum portátil ou PDA; se conseguirmos comunicar com amigos, conhecidos e clientes via telemóvel ou Voip; e se tivermos uma ampla bagageira onde possamos depositar roupas e objectos de higiene pessoal, então para que é que precisamos duma casa? Será que as casas deixarão de existir e passarão a ser substituídas por armazéns públicos gigantescos, com painéis repletos de tomadas eléctricas para deixarmos os aparelhos a carregar e portinholas com aberturas para máquinas de lavar e secar roupa que funcionarão por carregamento bancário?

Ora estradas decentes nós já temos neste país, pelo que aí não haverá grande diferença. O que mudará é a face dos negócios, que passarão a incluir versões drive-in para que nunca tenhamos de sair da viatura. Eis algumas sugestões que eu, enquanto condutor inveterado, gostaria de ver implementadas:

Farmácias drive-in
Parece que já estou a ver qual é que vai ser a queixa mais comum nas farmácias drive-in “Foda-se! Só neste país é que metem uma sarjeta mesmo em frente a uma farmácia drive-in. Lá se foi o troco para o esgoto!”

Lavagens automáticas
Sim, já existem lavagens automáticas para carros. A grande inovação consistirá em abrir as janelas e tejadilhos para que todos os que estão no interior do automóvel também se possam lavar. O aviso mais comum que vai estar à entrada destes postos de lavagem dirá qualquer coisa como “A gerência informa que os automobilistas deverão colocar os seus óculos protectores antes de iniciar a lavagem. Não nos responsabilizamos por vazamentos de olhos provocados por galhetas das escovas de lavagem.”

Casas funerárias drive-in
Slogan mais comum nestas casas mortuárias do futuro “Mortuárias Alfredo Drive-In! Confie-nos o cadáver e siga em frente com a sua vida.”
É natural que se veja nas casas mortuárias lisboetas (sendo Lisboa uma cidade construída sobre colinas e, por isso, cheia de subidas e descidas) avisos como “Informamos os clientes que deverão subir até ao topo da nossa rua e notificar-nos após terem enviado o cadáver na maca sobre rodas. Assim teremos tempo de sair à rua e agarrá-lo. Obrigado.”
Quem sabe, talvez faça sentido as casas mortuárias drive-in associarem-se a lojas de redes para courts de ténis ou campos de voleyball. Assim, poderão estender a rede no momento em que a maca vier a descer, fazendo com que o cadáver seja projectado para dentro da loja. Há aqui material para um livro…

Restaurantes drive-in
Porque é que os restaurantes drive-in estão presentemente limitados a cadeias norte-americanas de fast-food? Não haverá mercado para a Portugália, por exemplo? Quantas vezes não terei conduzido enquanto sonhava com o molho do bife da Portugália, imaginando os carros como batatas fritas, os taxis como ovos estrelados e as árvores como pickles? (é lixado gostar de comer…) Assim, este problema também terminaria. Todos os restaurantes, de todas as formas e feitios, disponíveis em versão drive-in! Era isso que eu gostaria de ver.
E aqueles restaurantes japoneses que têm tapetes rolantes, por onde a comida desliza em pequenos pratinhos até ser escolhida por alguém, também podiam inovar nesta área. Bastava que criassem kits instântaneos que os clientes pudessem montar na hora, como se fossem aquelas miniaturas de carris de combio, de modo a que o tapete atravessasse o seu veículo duma janela à outra.

Bibliotecas drive-in
Simples e eficaz. Estacione no jardim da sua preferência e, pouco depois, aparecer-lhe-á uma empregada de patins com uma lista electrónica de livros disponíveis. Você escolhe o que quer ler, ela traz-lhe o livro, você lê o dito durante o tempo que desejar; e quando se quiser ir embora, basta depositá-lo num contentor à saída. A taxa de leitura será automaticamente debitada da sua conta bancária ou via carregamento electrónico.

Haverá muitas mais possibilidades. Estas foram apenas as que me lembrei neste momento. E você? Tem ideias para negócios que gostaria de ver em formato drive-in?




Há um conceito ao qual fui recentemente apresentado: o “Drive-thru”.

Sem duvida, a evolução lógica do já estafado Drive-in. “Drive-in” com upgrade.

Que tem a mensagem subliminar de continuidade. Ou seja, não acaba aqui, isto é apenas um ponto de passagem. Que vai ao encontro da “teoria da sociedade movel” apresentada pelo Exmo. Sr. Toscano.
Aproxima tambem todo o consumismo “Drive-thru” a uma experiência religiosa, ou, ritual de passagem: Agora que passei pelo “Drive-thru” até me sinto uma nova pessoa, qual Fénix renascida das cinzas do “Drive-in”, constrangedor e de horizontes obtusos. Venha o próximo!
E assim sim. Adoraria trabalhar. Passava pelo “Drive-thru” do escritório, picava o cartão, e, ala que se faz tarde!


Se formos a ver bem, acho que ambas as expressões (Drive-in e Drive-thru) são um pouco falaciosas. É que o “Drive-in” implica que se entre no espaço propriamente dito (in em inglês significa “dentro de”). Ora nós não chegamos a entrar nos sítios. Apenas paramos ao lado deles.

A expressão “drive-thru” sofre do mesmo problema. Dá a entender que, ao atravessar um espaço (thru ou through em inglês significa “através de” ou “por dentro de”), passamos por dentro do local propriamente dito.

Por isso, proponho que Рa bem da clareza Рse abandonem os dois termos e que se troquem por Drive-by. Isto sim, ̩ a expresṣo mais correcta para exprimir aquilo que realmente acontece quando passamos num destes locais (passamos ao lado deles).


infelizmente já há farmácias drive-in em Portugal. Pelo menos uma em cascais.
Quanto à ideia de o automóvel ser indispensável, só mesmo uma sociedade nova-rica terceiro-mundista é que poderia ter ideias dessas. Basta olhar para qualquer país europeu do Norte para perceber o ridículo em que caímos.
Até o Eurostat já diz que somos os terceiros em número de carros por habitante…

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