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Jornalismo de ir ao rabo

A entrevista que o nosso primeiro-ministro concedeu à SIC, no dia de ontem, foi demonstrativa – na minha opinião – da má qualidade do nosso jornalismo televisivo.

Para começar, temos dois jornalistas televisivos a entrevistar uma pessoa. Mas que raio de equilíbrio é esse? Eu sei que a SIC costuma fazer estas macacadas. Quando o Steve Balmer veio a Portugal, até foi entrevistado por três gajos! “É pá, vá lá, esse gajo é o meu herói, deixa-me lá entrevistá-lo também, pá! Pode ser? Pode?! Yes!”

Não sei em que raio de modelos é que estas entrevistas se baseiam. Mas seja lá no que for, é um modelo que não funciona cá em Portugal. As pessoas atropelam-se muito nos discursos. Já é difícil manter uma conversação com alguém e fazer ver um ponto de vista. Imagine-se com mais do que duas pessoas, em frente a uma câmara de televisão, sendo uma dessas pessoas um político e as outras duas jornalistas televisivos… nem nos sonhos mais absurdos! (aliás, é por isso que as telenovelas portuguesas parecem tão farsolas e pouco realistas: cada actor diz as suas linhas e não costuma ser interrompido pelos outros.)

E o resultado ficou bem à vista. De um lado, dois jornalistas televisivos ferozes, com aquela mania abjecta de que têm de domesticar o convidado e mostrar quem é que manda no programa. Sim, é verdade que ele é o nosso primeiro-ministro e que, a bem ou a mal, o que ele diz até nos deve interessar, pois é ele que segura as rédeas deste carro-de-bois que somos todos nós. Mas isso não interessa ao jornalista televisivo. Ele está numa missão. Tem de perguntar tudo o que andou a ensaiar em casa na véspera. E do outro lado, ai do ministro que se atreva a não responder ou a falar demais!

É quase um paradoxo. Um paradoxo que se repete em todos os canais. Jornalistas televisivos com protagonismo é coisa que me irrita profundamente. Não por causa da sua necessidade de ego, isso eu compreendo. Somos todos humanos. Mas porque quanto mais um jornalista televisivo fala e quanto mais interrompe um entrevistado, menos ficamos a conhecê-lo.

Por exemplo, eu fiquei sem saber se o José Sócrates consegue ou não terminar uma frase. Alguém sabe? Não digo frases de discurso ensaiado. Estou a falar de frases espontâneas, respostas a perguntas directas. E ninguém sabe isso porquê? Porque a palavra foi-lhe sempre roubada por um daqueles jornalistas imbecis. Jornalistas que, após a entrevista e sem a possibilidade do entrevistado se poder defender, se apressaram a concordar que “o primeiro-ministro parece estar com mais dificuldades em responder às perguntas.” Pudera! Se não deixam o homem falar!

Tenho até uma sugestão para futuras entrevistas. Porque não sentar José Sócrates numa cadeira, como num daqueles concursos televisivos de chacha, e encher a plateia de jornalistas? Assim, cada jornalista terá a oportunidade de colocar uma pergunta à qual José Sócrates responderá apenas “Sim”, “Não” ou “Não sei/Não respondo”. Pelo sim, pelo não, o melhor é meter uma máquina de senhas na plateia. Caso contrário, se deixam os jornalistas falar ao mesmo tempo, aí é que não há trabalho de produção que nos valha.

Já estou a ver a Ana Galvão a entrevistar os jornalistas à saída do estúdio.

– Então, o que é que achou da prestação do primeiro-ministro?
– Bem, eu achei que ele respondeu os “Sim” de forma muito peremptória.
– Mas os “Não”…
– Nos “Não” já sentiu alguma hesitação. Vê-se que é um primeiro-ministro muito positivo, portanto. Isso não é bom no estado em que a nossa economia se encontra. Assim ele não se vai identificar com o cidadão comum.

Ai, que saudades das entrevistas do Tim Sebastian na BBC… aquelas entrevistas em que ele orientava os convidados, fazia-lhes perguntas, deixava-os enterrar-se no seu próprio discurso, para depois os surpreender com uma pergunta lateral, vinda do nada, e que os desmascarava por completo. Pelos vistos, é possível fazer boas entrevistas em que se aprende alguma coisa sobre o entrevistado. Infelizmente, esse tipo de qualidade está vedada à nossa classe jornalística. Pelo menos enquanto os realizadores e produtores não electrificarem as cadeiras dos pivots, de modo a dar-lhes um valente choque quando eles estiverem a falar demais.

Será que sou o único a achar que os jornalistas televisivos são uma espécie de jornalista de segunda categoria?




…Para além da prepotência e falta de educação de um dos entrevistadores.

Deve ser por ser familiar de um ex-ministro, agora autarca a prazo.

Mas gostei de ouvir o Sr. Sócrates informar que a recessão estava a chegar. E era verdade! Já vinha a bordo do vôo TP588 que aterrou em Lisboa às 15h05m.

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