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Falemos “Olhos nos Olhos”

Qualquer incauto que se aventure, um dia destes, por uma loja de discos, arrisca-se a trazer consigo uma cópia do último trabalho de Luís Represas, Olhos nos Olhos. Poderão dizer que uma pessoa, devidamente acautelada, consegue escapar a esse tipo de perigos… Talvez. Mas ninguém está livre de, por exemplo, ir num elevador cuja telefonia esteja sintonizada num posto onde os singles do álbum passem constantemente (seja lá pelo que for, há uma fixação qualquer das pessoas que escolhem as estações de rádio dos elevadores pela Rádio Comercial ou pelo Rádio Clube Português… O caso é de tal forma pertinente que eu acho que seria uma boa ideia se estas estações incluíssem na sua programação, para além do estado do tempo ou do trânsito, conselhos sobre as atitudes a tomar caso se fique preso num elevador: “…foi o clássico de Celine Dion “My Heart Will Go On” do inesquecível filme Titanic. E agora, para si que está preso num elevador, lembre-se de não entrar em pânico, e de ir carregando regularmente no botão de alarme. Fique connosco! Tenho para si, já a seguir, a nova música de James Blunt…”).

Isto para dizer que também eu já fui apanhado, à traição, pelas novas canções do ex-Trovante. Duas, em particular: o primeiro single, “Sagres”, que tem versos como

Sagres
Tu sabes
Como se arma o coração
Agarramos uma vida
Desatamos a paixão
Sagres
Tu sabes
Na ponta da solidão
(…)
E o mar tomava-nos conta
Dos cinco dedos da mão

E o segundo single, que tenta pôr as pessoas a trautear, quando vão nos transportes públicos, coisas do género de

Porque é que naquela rocha,
Perdida no meio do mar,
Arrasada pelo vento
Despida pelo luar.
(…)
Só,
Desembarco só
Neste porto só
Sou eu quem me espera
(…)
Gostava que tu soubesses que tenho a rota traçada
(…)

Perante isto, há uma pergunta que se impõe: Precisávamos nós de mais músicas com metáforas náuticas?!

Estava em crer que já eram suficientes aquelas centenas de canções que temos sobre o mar, e os barcos, e as partidas, e a solidão, e a saudade, e as ondas, e os seres mitológicos das profundezas… Mas não. Luís Represas achou que deveria fazer um álbum que focasse estes assuntos. Porque, obviamente, são temas que fazem parte da nossa herança cultural como povo. E as pessoas relacionam-se com isto. “Portugal, país de navegantes”. Bom, eu devo dizer que, como português, me sinto ofendido!

Sinto-me ofendido por esta devoção às frases feitas e às fórmulas testadas. Esta obsessão (ou será preguiça?) em reduzir a vivência portuguesa aos feitos marítimos. Lá porque, há uns cinco ou seis séculos atrás, uns quantos indivíduos se fizeram às ondas por estarem fartos de aturar as mulheres em casa, agora temos de gramar com hordas de cançonetistas a baralhar-e-voltar-a-dar fina poesia sobre mar e caravelas.
Portugal é um país de navegantes, sim senhor! Mas também é um país de muitas outras coisas.

Lavradores, por exemplo. Porque é que quase não se fazem músicas sobre o trabalhar da terra?

Então, e o Egas Moniz? Inventou a lobotomia. Porque é que não se fazem mais músicas sobre a ablação de secções do cérebro?

Ou canções sobre as pessoas que inventaram a Via Verde?

Ou álbuns sobre os produtores de cortiça?

Ou, até, músicas sobre músicos que fazem músicas sobre o mar?




É,é. Nós, os Portugueses, só sabemos é meter água.

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