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Velórios

Por muito rebeldes que achemos que somos, ocasionalmente lá aparecem algumas obrigações sociais que temos de cumprir. Desta vez calhou-me a mim. Como não podia ir a um funeral dum amigo de família (a ocorrer hoje), fui ao velório (ontem). Confesso que nunca percebi o sentido dum velório.

Percebo que a cerimónia possa ter raízes antigas, mas nem por isso a consigo respeitar. Uma ou duas dezenas de pessoas, sentadas à volta dum cadáver, a fazerem caras tristes como forma de empatia para com a família mais próxima, a falar de assuntos desinteressantes (quando é que foi a última vez que você teve uma conversa interessante num velório?). Tudo isto me parece um pouco hipócrita e sem sentido.

Por isso, baseado na experiência que tive ontem, passo a fundamentar as minhas opiniões e sugiro algumas mudanças que ajudem a tornar a experiência mais agradável para os que ficam.

1.
Segundo me foi dito, na província ainda existe o hábito de providenciar elaboradas comezainas a todos os que comparecem aos velórios. Porque raio é que este hábito caiu em desuso nas cidades? Haverá coisa mais agradável e enternecedora do que fornecer uns rissóis de camarão ou pastéis de bacalhau àqueles que se dão ao trabalho de ir até ao velório?

2.
O ambiente numa sala de velório é sombrio e entristecedor. Sugiro uma parceria entre as capelas e o Ikea, de modo a que se possam redecorar melhor estas salas e torná-las mais agradáveis para quem as frequenta. Ninguém gosta de ir a uma repartição de finanças. No entanto, mesmo nesses sítios a decoração e iluminação já se encontra mais modernizada. Porque é que nestas salas de velórios há-de ser diferente? Com jeitinho e alguma capacidade de negociação, o Ikea até é capaz de aceitar decorar as salas à borla, desde que possam lá colocar um expositor com os seus catálogos. Eram dois coelhos duma só cajadada.

3.
É impossível falar no ambiente e não mencionar a ausência de música. Até porque a música joga vários papéis fundamentais simultaneamente. Não só serve para ajudar a influenciar o estado de espírito que se quer transmitir, mas também ajuda a encobrir sons corporais vergonhosos (movimentações de ar nos intestinos, gases diversos, sapatos ruidosos, etc.). É vital que as salas de velórios possuam um sistema de som ambiente, provavelmente equipadas com adaptadores para iPods, de modo a que os familiares possam criar as suas próprias playlists em casa.

4.
A visão do morto dentro do caixão, em exposição como se se tratasse duma vitrine de joalharia, é uma coisa mórbida e pouco dignificante. É algo que só deve ser interessante para aquele tipo de pessoas que normalmente estacionam o automóvel para poderem observar melhor um desastre de viação. Eu proponho que o corpo e o caixão sejam trocados por um televisor LCD onde passam fotografias, galerias de imagens, videos e linhas memoráveis do morto (enquanto era vivo, claro). Alguém viu o filme Final Cut, com o Robin Williams? Já pensaram na quantidade de velórios que existem diariamente no nosso país? Já imaginaram o emprego que todos esses editores audiovisuais teriam? O desemprego baixaria alarvemente dentro das nossas fronteiras.

5.
Estacionar é sempre um pincel descomunal. Um serviço de Mr. Parking talvez não fosse mal pensado. Bastava ter um ou dois empregados de serviço, provavelmente ajudantes da igreja ou então – e porque não? – desempregados que perderam o direito ao subsídio do desemprego. Sempre tinham uma fonte de rendimento, e as famílias gastariam menos dinheiro.

6.
Para terminar, é preciso fazer alguma coisa para auxiliar os vivos no seu sofrimento. Que sensação é que um velório deverá transmitir? Deverá infestar-nos com uma aura de depressão e solidão? Ou deverá deixar-nos felizes por estarmos vivos, e contentes por o ente querido ter chegado primeiro ao que um dia nos esperará? Sugiro que, em vez de se queimar incenso, se queimem outras ervas aromáticas. Nomeadamente aquelas que são legais em apenas alguns países europeus. Tenha-se apenas o cuidado de não se utilizar alucinogénicos! Sabe-se lá o que poderia acontecer (embora também seja interessante imaginar isso).




_ Não é propriamente uma novidade, mas à semelhança daquilo que já se faz para os nascimentos, baptizados, aniversários e outros acontecimentos do género; a minha proposta é fazer chegar, durante o velório, aos familiares do defunto, um cartão postal com os desejos de um >


_ Não é propriamente uma novidade, mas à semelhança daquilo que já se faz para os nascimentos, baptizados, aniversários e outros acontecimentos do género; a minha proposta é fazer chegar, durante o velório, aos familiares do defunto, um cartão postal com os desejos de um “Feliz Funeral com Próspera Época de Luto”


Ainda uma outra proposta: aquando da comunicação da morte, é favor juntar mapa sobre o local de realização do velório e fotografia do finado.
A sugestão que dou baseia-se na minha vasta experiência em velórios e funerais e que passo a enumerar (todas as situações são reais e passadas durante 2006 e 2007):
– Nunca ir a um velório sem conhecer o local e principalmente o morto. Depois de me dirigir com colegas ao funeral da mãe de uma outra, após depositarmos a respectiva coroa junto ao féretro e ungir a finada com água benta, cheguei à brilhante conclusão que a morta não era a que procuravamos. Resultado: retirar a coroa e sair de costas, com um fantástico sorriso amarelo.
– Nunca esperar mais de uma hora à porta de uma capela onde não está ninguém. É muito provável que o funeral não seja no lugar onde pensavamos. Com um bocado de sorte, só assistimos à saída dos familiares do cemitério. Desta situação, aprendi que as flores das palmas são muito jeitosas para centros de mesa.
– Nunca esperar por alguém que vem ao funeral e que vive a mais de 30 km de distância. Aprendi, à custa de duras penas, que não é muito agradável sair da capela de 2 em 2 minutos a dar instruções sobre o percurso.

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