Brigada anti-possidonismo
Se há coisa que se pode apontar aos jornais, é o facto de nos confrontarem constantemente com notÃcias deprimentes. É o assassino em série que afinal tinha mais vÃtimas do que se pensava, é a explosão no Iraque que mata mais não-sei-quantos civis, é a sinistralidade rodoviária que destrói lar após lar, é a Floribella que vai continuar a passar na televisão…
Diz-se que isto vende. Mas será mesmo verdade? Estaremos nós interessados em saber quantos foram os estropiados do dia? De que maneira é que isso influencia a minha vida?
Ora, atento aos subtis caprichos do mercado, o semanário Sol resolveu diversificar a sua oferta. Basta rumar à secção de opinião no site do jornal para podermos encontrar algo de verdadeiramente original.
Já sei o que estão a pensar: “os artigos de opinião são o pão nosso de cada dia dos jornais! Sempre ajudam a encher páginas, e acabam por ser sobre os mesmos assuntos deprimentes das notÃcias!â€. É verdade, e o Sol também tem esse tipo de coisa. Mas há mais: este jornal conta com uma correspondente, a Sra. Assunção Cabral, especializada em Etiqueta, uma área que tão poucas vezes tem direito a figurar nas páginas dos jornais (se calhar, é por isso que somos uma nação de alarves!).
Aqui está! Isto sim, isto é algo com que me posso identificar! Que se lixem as crianças mutiladas por minas anti-pessoais, eu quero é saber para quê que servem os garfinhos pequeninos que me estão sempre a pôr ao lado do prato!
E a maior beleza desta rubrica é que, se não encontrarmos resposta à s nossas inquietações, podemos sempre enviar um email à colunista com as nossas inseguranças sobre um qualquer horroroso faux pas social. E escusam de ter medo de perguntar porque a incansável escrivã não vos olhará de cima, como qualquer snob faria (até porque isso seria muito incorrecto e indigno de uma pessoa de boa criação – digo eu!). Nas palavras da própria, em resposta a uma leitora que se debatia com o eterno dilema de dizer “muito gosto†ou “muito prazerâ€, «uns são possidónios e nós não».
Possidónios?! Vade retro, escumalha de gente! Era matá-los a todos!
Sigamos, pois, o exemplo de Assunção Cabral e não sejamos possidónios! O que será um possidónio? Assunção Cabral parece oscilar um pouco entre os vários sentidos do termo. Possidónios tanto podem ser os indivÃduos que dizem que uma especialidade gastronómica é “interessante†em vez de simplesmente “boaâ€, e aqueles que vão ao “quarto-de-banho†em vez de irem à “casa-de-banhoâ€, como a gentalha que diz “tchau†em vez de “adeus†e que chama “filhotes†aos “filhos†(estes sacanas são quase tão maus como aqueles que confundem carteiras de senhora com malas). Por outras palavras, o possidónio parece ser, para a colunista, tanto o pretensioso como o popular, o brega. Arrisco eu que a verdadeira virtude estará, então, no termo médio.
Esse meio-termo consistirá, por exemplo, em fazer ocasionalmente observações como a que se segue e que pode ser encontrada numa resposta a uma dúvida sobre qual o traje mais apropriado para levar à ópera. Observai como Assunção Cabral exprime, sem um pingo de pretensão, a sua surpresa quanto à opção da correspondente pela veste cerimoniosa:
Ópera de smoking? Quando vou à ópera, vejo uma tal mistura, que parece mais um bodo aos pobres, em que umas quantas pessoas bem aperaltadas estão prontas a tratar de uma enorme chusma de maltrapilhos.
Isto não é ser snob! Até porque os realmente snobs, não “tratam de maltrapilhos”: lançam-lhes os cães!
O parágrafo seguinte é como que um abraço (não sei se um abraço é uma coisa muito in…) de quem diz “és cá das minhas!†(também não sei se este é o tipo de coisa que Assunção Cabral diz):
Estou a ver: a leitora faz parte daquele reduzido número de privilegiados que tem direito a uma ópera por ano como deve ser, a convite do BCP, que, na qualidade de patrocinador exclusivo do São Carlos, reserva uma récita mais polidinha, de gala, para os seus convidados.
A convite do BCP e tudo?! Ena, ena… Nada de classe operária!
Outro aspecto que parece ser importante para não se ser possidónio, é o desenvolvimento da capacidade de escapar airosamente a questões complexas, como a da empresa (pois, também me fez confusão…) que escreveu a perguntar a qual dos membros do casal se deve agradecer a refeição.
Assunção Cabral despacha a questão em duas linhas ao dizer que, antigamente, agradecia-se à dona da casa por ter sido ela a autora do repasto. Acho prudente que a colunista se fique pelo enquadramento histórico da coisa, deixando em aberto o que se deve fazer no presente. Quem poderá dizer que as pessoas da Gavilor, Lda não vão viajar no tempo? Para além disso, o mundo de hoje é tão mais complexo que o de outrora… Agradecer a ambos os membros do casal está, aparentemente, fora de questão (só a trabalheira…), e se o critério da autoria da refeição parece continuar a fazer sentido, o problema está em apurar quem é, de facto, o autor. Com tantos homens a cozinhar hoje em dia (ou será que o acto de cozinhar é possidonante para o homem?)… E se for um casal gay? Será que tenho de averiguar qual é o elemento mais feminino do casal antes de estender os meus agradecimentos? Para se estar conforme a etiqueta, teremos de ter uma conversa deste género:
– Qual de vocês é que é o passivo? (atenção: nunca usar expressões do tipo “qual de vocês é que pega de empurrão?†– completamente out!)
– Ah, sou eu…
– Obrigado pelo jantar, estava muito bom!
Ainda no capÃtulo dos agradecimentos, Assunção Cabral apresenta-nos, como exemplo a seguir, o seu marido. Para ele, a chave da coisa está na qualidade do vinho: se for mau, os elogios devem ser “austeros e poupadosâ€, mas se for bom, então
pródigos e variados devem ser os elogios (não se detendo só nos vinhos, mas louvando tudo: desde a baixela ao ambiente, passando pelas criancinhas que haja, mesmo que não apareçam, mesmo que sejam embirrentas).
Resumindo: Agradecer aos dois membros do casal – OUT; Ser hipócrita – IN.
O recurso a exemplos, como este, retirados da experiência pessoal da autora, é um tópico recorrente nesta coluna de opinião. A avaliar pelo número de vezes que Assunção Cabral faz isto, parece que está in maçar constantemente as pessoas com historietas mais ou menos desinteressantes sobre a nossa famÃlia.
Ir buscar pérolas de sabedoria à s desventuras da avó de uma prima no mundo da aerofagia, como a autora faz no texto “Como disfarçar um arroto?â€, não é nada brega (ou seja, possidónio)…
Este é, de resto, um texto pleno de brilhantismo. Primeiro, a autora brinda o leitor com, nas palavras da própria, uma «inesperada e útil lição». “Inesperada†é capaz de ser dizer pouco; eu não consigo encontrar palavras para exprimir a minha surpresa quando Assunção Cabral diz que o procedimento correcto a seguir após soltar um sonoro arroto em público é – preparem-se – dizer “desculpeâ€! Espanto! Admiração! Choque! Eu nunca me teria lembrado disso…
Depois, é-nos mostrado como a alta-roda lida com estes hediondos gases. Desenganem-se aqueles que pensavam que o ideal era tentar obter o maior registo decibélico possÃvel, enquanto prolongam o arroto ao máximo, tentando talvez até formar uma palavra. Não! De acordo com a nossa especialista, o que se deve fazer é
almofadar o ruÃdo – e o cheiro, porque os há nauseabundos –, com o guardanapo, um lenço ou a própria mão. E disfarçá-lo com discrição.
Então é isto que eu tenho andado a fazer mal…
o melhor é não engolir ar enquanto se come. Ah! E nada de bebidas gaseificadas.
Heidi // 05.01.2007
E se soltarmos um pequeno felato??? A Carolina já sabemos que acendia um ou dois cigarros para disfarçar o odor náuseabundo, mas será essa uma atitude “in”?!
E se o nosso estômago fizer barulhos por não se sentir satisfeito pelas (normalmente) irrisórias refeições “in”?
Que diabo (isto não foi nada socialmente correcto) agora fiquei cheio de dúvidas, acho que vou encher o e-mail da Srª Assunção com questões, ou será isso também uma falta de “chá”? 😛
Parrachanderson // 10.01.2007
Eu é que já devo estar “queimado” com a publicação deste post, mas encorajo o recurso à coluna de etiqueta e bons-costumes do Sol sempre que algum leitor tenha a mais pequena dúvida a respeito de conduta social.
Se forem agraciados com alguma resposta às vossas inquietações mais profundas, não se esqueçam de nós, e venham cá dizer qualquer coisa!
João Troviscal // 10.01.2007
Para tirar as teimas acabei de enviar um email à dita senhora para perceber o que raio é um possidónio. Quando e SE receber resposta cá a postarei.
J
joaoPinto // 06.02.2007
Boa, boa!
Cá ficamos à espera!
(A propósito, passei recentemente pelo site do Sol, e reparei que esta parte da coluna de etiqueta não foi actualizada desde que escrevi o post. Será que os leitores já não têm dúvidas? Ou será que foi o jornal que decidiu acabar com isto? Mas que falta de chá…)
João Troviscal // 07.02.2007
Pois é. Mas o que é facto é que a “tia Assunção” voltou a brilhar. Por acaso leram a cronica “O insuportavel gato”. Está a dar pano para mangas. Até os gatos são possidónios. Cá por mim aderi à micro-causa contra Assunção Cabral. É so “gloogar”, perdoem-me a expressão, o nome da dita.
ls
Luisa Simoes // 21.02.2007
Isto é ridiculo. Quem não gosta não le! Estão todos muito picadinhos para quem “despreza” tanto a coluna de etiqueta.O que é realmente de baixo a alguem que apenas tenta manter um emprego.
A mim parecem-me muito divertidas, mas parece que ha pessoaqs que para alem de falta de noção não têm sentido de humor.
Parem de julgar como se achasem que uma pessoa que escreve sobre etiqueta vos olha para cima, simplesmente voçes parecem-se por em baixo.
João // 25.03.2009
Isto é ridiculo. Quem não gosta não le! Estão todos muito picadinhos para quem “despreza” tanto a coluna de etiqueta.O que é realmente de baixo a alguem que apenas tenta manter um emprego.
A mim parecem-me muito divertidas, mas parece que ha pessoaqs que para alem de falta de noção não têm sentido de humor.
Parem más é de julgar. Uma pessoa lá por escrever sobre etiqueta não significa que olhe para os outros de cima, vocês é que parecem estar a por-se em baixo
João // 25.03.2009
Um mimo estas crónicas. Já me fartei de rir à conta delas. Vão lá ver os comentários que fiz:
http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/interior.aspx?content_id=67596&opiniao=Opini%E3o
E este (outro mimo):
http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/interior.aspx?content_id=55049&opiniao=Opini%E3o
Maria // 12.02.2013