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Ir dentro

Sempre gostei da expressão “ir dentro”. Talvez por estar incompleta e, ao mesmo tempo, cheia de significado social.
Mas não acho que ir dentro seja mau de todo. Não estou a falar de “reabilitação”, obviamente. Isto é suposto ser um site de humor, mas não quero ir tão longe!

Quem é que – no seu íntimo – não terá já imaginado como seria passar uns tempos por detrás das grades? Que homem é que não terá fantasiado em levantar a voz em tribunal, no momento da sentença, dizendo qualquer coisa como “Sôtor Juiz, posso pedir-lhe que me meta num estabelecimento prisional feminino?”. Será que é daí que vem aquele fascínio quase secreto que nos compele a adquirir filmes, livros e séries passadas em prisões? Quase como se fosse o contacto mais próximo e seguro que temos com uma realidade que, lá no fundo, nos é desconhecida?

Falando no meu caso pessoal, confesso que eu próprio tentei ir um pouco mais além. É verdade, caros leitores, já tentei meter-me deliberadamente “lá dentro”.
“Porquê?” Perguntam vocês. “Porque é que um homem com um sentido de humor tão invulgar, uma sofisticação aparentemente fora do comum e um excelente gosto para camisas se quereria submeter a semelhante injúria?”.

Reparemos, qual é aquela coisa à qual todos estamos presos hoje em dia? E não falo de créditos à habitação ou casamentos, pois essas coisas – apesar de afectarem muita gente – não nos afectam a todos. Há uma coisa à qual nenhum de nós escapa, não é?
O que será?
Exacto!
É o tempo.
Somos todos escravinhos do belo do relógio. Temos sempre onde estar, o que fazer e viver com a frustração de não conseguimos atingir metade daquilo que esperamos de nós mesmos.

Ora esse parece-me ser um problema que se resolve dentro da prisão. É que a duração de uma pena de prisão é uma “medida externa”. Serve para as pessoas que estão cá fora conseguirem medir o tempo que foi penalmente atribuído àqueles que estão lá dentro. Mas uma vez na pildra, imagino que os dias sejam vividos, precisamente… dia após dia.
Eu sou daquele tipo de pessoas que compra uma carrada de livros mas raramente lê mais que o prefácio. Que melhor oportunidade poderia existir para meter as leituras em dia?

Pensem bem nas preocupações das quais nos livraríamos! Acabar-se-iam os despertadores a tocar a horas indecentes. Dizem, aqueles que já experimentaram, que acordar ao som ritmado dum cacetete a roçar nas grades é qualquer coisa do outro mundo. É quase como acordar para uma nova vida, onde cada momento é uma aventura.

Lá dentro também não existem preocupações de subsistência. Sabemos que àquela hora tal e tal temos direito ao nosso pequeno-almoço, almoço e jantar. Sem perguntas nem condições. Qual comer com a preocupação do Multibanco estar fora de serviço ou andar a fazer contas de cabeça para balançar o valor da refeição com o orçamento familiar!
É verdade que não devem ser manjares equivalentes àqueles que deglutiríamos no Gambrinus. Mas também é verdade que devem ser muito melhores do que há uns anos, nos tempos em que os reclusos eram alimentados a pão e água. Serão as refeições nas prisões substancialmente diferentes das refeições servidas num hospital ou num avião? Para além disso, e apenas por mera curiosidade, quantas vezes é que você já comeu no Gambrinus?

E pense também na sua linha.
Estar elegante e “em forma” é uma preocupação que atinge quase todos os sexos e extractos sociais, nos dias que correm.
Na prisão, isso deixa igualmente de ser um problema. Se não há donuts nem uma arca com gelados da Haagen-Dazs, você pura e simplesmente não os come. Não havendo possibilidade, não existe dilema. Quem é que disse que a falta de opções é uma coisa má?

Melhor que tudo isto, se eu lhe dissesse que você ganha dinheiro apenas por estar lá dentro a fazer esta vidinha, o que é que você diria? É verdade, meus amigos! Neste preciso momento, enquanto você trabalha ou estuda arduamente para poder ter uma vida melhor, (bem, talvez não neste preciso momento…), há milhares de reclusos a darem uma golpada na máquina estatal e a viverem à sua mamoca. Você faz ideia quanto é que custa manter alguém lá dentro? Já pensou que, pelo menos, um dos seus dias de trabalho (que pode muito bem ser hoje) é utilizado pelo Estado apenas para sustentar estes madraços? E depois queixam-se que os portugueses são pouco produtivos. Nós somos é espertos!

E se pensar que está a contribuir para um mealheiro, de modo a que os reclusos tenham qualquer coisa quando sairem cá para fora (provavelmente para o gastarem logo em álcool e prostitutas), isso não o deixa ainda mais revoltado?! Já pensou que o seu filho anda numa escola da treta ou que os seus pais não podem comprar um novo BMW porque andam a suportar estes modos de vida fáceis e relaxados? Será de admirar que uma grande percentagem dos reclusos reincida e queira logo voltar lá para dentro?

Pois foi isso que eu tentei fazer.
Há uns tempos, chateado por ter um montão de livros para ler e pouco tempo para reflectir na minha existência, ocorreu-me que não seria mal pensado reclamar parte daquilo que é meu. Passar seis meses numa prisão, naquela altura, era tudo o que eu queria. (e continua a ser.)
E digo-vos já que é muito difícil ir lá para dentro!

Tentei de tudo. (menos homicídio e violação, pois isso dá penas maiores que os seis meses que eu ambicionava.)
Peguei fogo a uma mata, para começar. Já que é um dos nossos recursos naturais mais preciosos, certamente que não me deixariam passar impune. Certo? Errado! Levaram-me para um posto da GNR, fizeram-me umas perguntas, obrigaram-me a preencher uns papéis e mandaram-me para casa. Até recebi dois postais de Natal nesse ano! Um duma empresa de construção civil e outro duma corporação de bombeiros.

Na semana seguinte, parti uma montra duma joalharia, mesmo em frente a uma esquadra da polícia. O problema é que, como não sou um criminoso nato, precisei de um pequeno incentivo. Daí que me tenha atracado a um ou dois palhetos no tasco da esquina, apenas para ganhar coragem. Resultado: após análise ao sangue, que obviamente detectou a presença de pinga, assumiram que eu estava bêbado e mandaram-me para casa.

Pensei em conduzir em contra-mão numa auto-estrada, mas tive medo de me aleijar e fiz marcha-atrás, logo a seguir à portagem.

Num acto de desespero, fui para rua de gabardine, sem nada por baixo, e exibi-me em frente a uma escola primária. No entanto, como apanhei um dia de greve, não havia alunos nem professores para me acusarem de atentado ao pudor. E que raio de legitimidade é que um homem tem para ambicionar seis meses de cadeia apenas por se exibir em frente a um contínuo?!
(especialmente tendo em conta que o contínuo não me pareceu muito incomodado, tendo sido até notório um crescimento acentuado por baixo das suas calças, mais concretamente na área genital…)

A partir daí, estava por tudo!
Criei várias empresas na hora, tendo contraído inúmeros empréstimos e dívidas que não paguei. Nada! O advogado nomeado pela Ordem safou-me facilmente alegando o clima de crise económica que ataca o país.
Fui para a Loja do Cidadão vestido de mergulhador, armei um banzé por cima dos balcões e cheguei mesmo a agredir um funcionário das Finanças. Mandaram-me para um hospital psiquiátrico. Saí de lá passados quinze dias, após os médicos de serviço terem chegado à brilhante conclusão que eu não era maluco.

Deixem-me que vos diga, caros leitores e leitoras, que é muito difícil ir preso!
Agora percebo porque é que algumas prisões possuem elaborados sistemas de segurança.
Não é para evitar que as pessoas saiam.
É, isso sim, para evitar que as pessoas entrem!


Nota: quando me refiro ao facto das prisões possuirem “elaborados sistemas de segurança”, obviamente que não estou a falar da Cadeia de Alcoentre, de onde é tão fácil sair que até um simples cabelo pode ser utilizado para serrar grades! A única coisa que continuo sem perceber é porque é que os reclusos teimam em sair de lá…




Tu és um tipo mmmuuuiiito esquisito. Não sabes que a melhor maneira de ir preso (quase automáticamente) é dar cabo do carro do primo do amigo do amigo do melhor amigo do irmão de um qualquer ministro da treta?É que nem que tenhas feito apenas um mísero risquinho, do tamanho da ponta da molécula da cabeça de um alfinete, desde que o dono tenha visto (ou pensado que tinha visto), vais de cana na certa!

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