siga-nos nas redes
Facebook
Twitter
rss
iTunes

Prometido é devido!

pantonio.gifTal como foi prometido no post anterior, aqui está um artigo com imagem colorida a acompanhar. Os portugueses merecem! E não vos dou apenas algumas cores. Dou-vos todas as cores do pantónio! Aquilo que muita gente não sabe, infelizmente (nem percebo porque é que estas coisas não se ensinam na primária), é a verdadeira história do pantónio.

Para muitos, nomeadamente pessoas ligadas ao design gráfico e à indústria das tintas, o pantónio é uma ferramenta que serve para fazer escolhas e testar combinações de cores diversas (tanto quanto percebo do assunto, o que é muito pouco…).
No entanto, Pantónio também foi o nome de um personagem muito peculiar que viveu em Lisboa durante alguns anos.

Na década de 80, Pantónio ficou com uma pancada religiosa muito pronunciada. E não falo num sentido figurativo. Foi mesmo uma violenta cabeçada num crucifixo, à saída de uma missa de Domingo, que alterou para sempre a vida deste nosso amigo.
A partir daí, Pantónio ficou a achar que a cabeçada se tratou de um sinal espiritual divino, mesmo apesar do padre João Júlio, na altura o diocesano que celebrava a eucaristia na Igreja de Alvalade, ter sido ouvido a referir várias vezes “se não tiram este crucifixo da entrada e não o metem no altar, qualquer dia ainda alguém se aleija!”

Pantónio sentiu que estava numa missão divina.
Todas as tardes circulava pelo metropolitano de Lisboa (leitores do Porto, é verdade – e indecente – mas Lisboa já tinha serviço de metropolitano nos anos 80), numa tentativa de levar a iluminação espiritual a todos os transeuntes.
Os seus esforços foram sempre em vão, dizem aqueles que se cruzaram com Pantónio nessa altura (tal como o autor deste texto que, então, tinha apenas 11 anos e já andava de transportes públicos).

No entanto, Pantónio não desistiu da sua missão! Desistir era um verbo que não tinha lugar no seu dicionário (até porque Pantónio decidiu abandonar os bens materiais, e o seu dicionário acabou por ficar para a sua ex-mulher, tal como os restantes electrodomésticos e mobiliário, de onde se destaca uma cómoda muito jeitosa da Brazão).
Pantónio adquiriu um megafone de grande potência com o dinheiro que lhe restava e, através do poder de mais de 100 Watt (RMS), espalhou a palavra da boa fé religiosa pelos quatro cantos de Lisboa (o que, estudos agora indicam, pode explicar o aumento súbito das vendas de Walkmans em Lisboa durante os anos 80).

Para muitos, Pantónio não passava de um palhaço. Um aborto da natureza que, à falta de melhor, se divertia a incomodar os outros com as suas crenças desmedidas. Um pouco como o Manuel Luís Goucha quando apresentava programas de culinária.

Para além disso, algumas questões se colocavam quanto aos seus conhecimentos religiosos. Apesar da minha mãe não se lembrar do evento, lembro-me de ir de mão dada com ela pelo Rossio, a caminho duma loja de tecidos para uns cortinados (ou um blazer para o meu pai… já foi há uns tempos…). Ao cruzar a esquina da livraria do Diário de Notícias em direcção à Praça da Figueira, lembro-me de ver Pantónio, com a sua reconhecível bigodaça, a afirmar peremptoriamente que “Jesus morreu pelos nossos pecados e que só fazia sentido andar de calções no Verão”.

A minha mãe, com a sua calma e sabedoria luso-britânica, disse-me qualquer coisa como “Estás a ver, André, as pessoas que não estudam acabam a acartar tijolos. E as pessoas que estudam demais ficam assim.”
(acabei por estudar demais e, curiosamente, estou agora a dizer parvoíces num site na internet e não num megafone. O que prova que os pais têm sempre razão…)

Ao longo da minha adolescência lá fui vendo o Pantónio, então com uma banca e a vender Bíblias, crucifixos, terços, etc. mas sempre com o megafone.
Qualquer lisboeta com mais de 20 anos de idade, que tenha andado pelo Rossio nos últimos anos, sabe de quem eu estou a falar. Era um senhor com um ar meio despenteado, com bigode, fatinho azul turqueza, e com o seu velho megafone ao ombro a disseminar a palavra de Deus.

Já faz algum tempo que não vejo o Pantónio. Provavelmente recebeu a chamada divina que tanto esperava. O que é pena. Agora que eu gostava de saber um pouco mais sobre ele (mesmo que para isso tivesse de lhe comprar um crucifixo de vez em quando), Pantónio desapareceu sem deixar rasto.
É giro andar pela cidade e conhecer alguns mitos urbanos. Temos o senhor da poupa à Elvis que se encontra na Fontes Pereira de Melo todas as noites a acenar às viaturas que passam. Temos o ceguinho que circula pelo metropolitano de Lisboa e que só sabe dizer uma frase já completamente mecanizada (“Tenha a bondade de m’auxiliar!”). E as restantes cidades do país hão-de ter também os seus personagens de eleição.

Mas duvido que algum desses personagens tenha tido uma vida tão colorida como o nosso amigo Pantónio. E apesar de me considerar ateu, é caso para proferir “Que Deus o tenha”. Quanto mais não seja porque, se Deus não quiser Pantónio perto de si, mais ninguém vai ter paciência para o aturar.




Realmente… As coisas que se aprendem neste site. É fantástico. Eu nunca ouvi falar de tal. Então é daí que vem a palavra Pantone?

Há mais cidades com os seus personagens, digamos, “caracteristicos”! Como por exemplo, a cidade de Braga, onde estudo. Tem assim pelo menos dois. Não vou descrevê-los. É demasiado indecente… lolll. É verdade! Lamento dize-lo. Mas as personagens em questão não têm umas atitudes lá muito apropriadas.

Apenas refiro que elas costumam passear pela pelo parque da Avenida Central. Mais não digo…

Quem quiser matar a sua curiosidade.

Convém salientar que estas atitudes apenas se podem observar na presença de alguem do sexo feminino. Pois só desta forma é que estes individuos “peculiares” se manifestam.

Como vêm não é so Lisboa.

Acho que é Portugal inteiro.


Em Almada temos o Mijão, que em qualquer rua de almada, para e naturalmente faz o seu xixizinho a frente de quem passar


Antes de mais deixe-me dar-lhe os meus sinceros parabéns pelo seu humor contundente e corrosivo que tão bem disposto me deixa.

Relativamente às figuras carismáticas de Lisboa, também escrevi um texto Entitulado “O Louco” em 19 de Março deste ano.

http://caminhandoateti.blogspot.com/2006/03/o-louco.html

Grande Abraço
NaLua


Curiosamente, acabei por descobrir a história do “Senhor dos Acenos” que costuma estar entre o Picoas e o Saldanha. Um amigo de um amigo meu fez um trabalho qualquer para uma universidade (desconheço o contexto do trabalho) e uma das coisas que fez foi entrevistar esse homem.

Ao que parece, a mulher dele (do “maluco”) morreu há uns anos e ele entrou em parafuso (ou perdeu um, por assim dizer).
E desde então que, na cabeça dele, fez sentido ir ali cumprimentar as pessoas todas as noites porque a mulher dele era uma pessoa muito simpática e cumprimentava toda a gente. E foi isto que ouvi, de alguém que esteve perto dele.

Agradeço os parabéns, mas este humor não é corrosivo. Corrosão implica quase ferrugem e degradação. Prefiro pensar que este site ajuda a desenferrujar! 😉


Olá, André
Provavelmente ja leste, mas pelo sim, pelo não aqui vai:

“Para quem não o conhece, é imperativo passar no Saldanha, em Lisboa, por volta das 23h e disfrutar de um momento que já faz parte da “nossa” cidade!

Como é possivel um simples gesto proporcionar um momento, apesar de um pouco “estranho”, agradável para quem passa… Afinal se não fossem estas “pequenas” diferenças, a vida seria sempre igual…O homem que diz adeus.
É ele o homem que noite após noite acena aos carros que passam na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa. É por ele que tocam as buzinas, que se atiram beijos e sorrisos, que se gritam “boas noites!” e “adeus!”, numa “onda de comunicação” que já dura há três anos e que nem sequer ele sabe explicar muito bem como começou. Numa cidade de estranhos em mundos fechados, este é o seu “milagre”. E é também o seu remédio. Há quem lhe
chame o “senhor do adeus”. Mas “senhor” é coisa que detesta que lhe chamem.

Aos 72 anos, João Paulo Serra tem a inocência de uma criança, espírito de um jovem, mas o olhar nostálgico de um ancião que sente “ter aprendido com a vida tarde de mais”. A sua roupa clássica e a ondulação do cabelo grisalho disfarçada com gel, dão-lhe um ar meio aristocrático, que já faz parte da paisagem do Saldanha. Todos o conhecem e quem trabalha nas redondezas sabe o seu percurso de cor.

“Chega por voltadas onze, meia-noite… Começa pela zona do Monumental, vai descendo a rua até ao Marquês e depois sobe, parando sempre em pontos estratégicos. Nunca falha.” Arménio é chefe de mesa na marisqueira Maracanã
e já lhe serviu alguns jantares. “É muito simpático. Quando passa aqui, acenamos-lhe pela janela. Só não sei: por que é que faz isto?”
João começa por dizer que não sabe bem, mas, a pouco e pouco, interrompendo sempre para acenar, vai desvendando o mistério. Tudo começou há três anos e meio, depois da morte da mãe, com quem vivia. Precisava de se distrair, incomodava-o a ideia de estar sozinho em casa. Um dia, aconteceu. Já reparara que as pessoas o cumprimentavam sem razão, nos centros comerciais e, sem saber como e nem porquê, surgiu o primeiro aceno na estrada. Depois veio outro e outro, e o acaso virou fenómeno. “No início era só rapaziada nova, mas depois contagiei todo o tipo de gente”, explica sem esconder um certo orgulho. Graças ao seu “milagre”, já deu entrevistas para a televisão e para os jornais, apareceu em dois filmes e até num teledisco. “Sempre quis ser actor, mas nunca me deixaram…”. Ou nunca teve coragem de tentar. Algumas dezenas de acenos mais tarde, já não é um João risonho despreocupado, “com imensos amigos” com quem vai “ao teatro e ao cinema”, que fala por detrás dos óculos de massanegra.

Nos olhos cinzentos, estão duas lágrimas contidas. Pelo passado, pelo presente e por um futuro que não
chega. Com um raciocínio de fazer inveja aos mais novos, o louco, o excêntrico, transforma-se lentamente num avô contador de histórias, que lê Agatha Christie para combater o medo ao andar de avião, que não tem telemóvel porque detesta máquinas e que não vê televisão.

João nasceu no seio de uma família muito rica. Até aos dez anos, viveu num enorme palacete da Tomás Ribeiro, cobiçado mesmo pelo próprio Gulbenkian. “Que saudades tenho desse tempo… A casa estava sempre cheia de família e amigos…”.
Mimado desde bebé, fez a instrução primária toda em casa, com um professor particular, pois no primeiro dia de aulas no Colégio Parisiense chorou tanto, que os pais não tiveram coragem de o mandar de volta. “Fui criado
numa redoma de vidro”, confessa, explicando:
“Naquela época era tudo muito diferente, havia muitos tabus.” Depois do divórcio dos seus progenitores, quando tinha 13 anos, João foi morar para o Restelo com o pai. Por ele, inscreveu-se em Direito, mas depressa desistiu, “era muito chato”. Depois de uma igualmente curta passagem pelo curso de Histórico-Filosóficas, o pai, “que não sabia o que fazer” com ele, mandou-o para Londres, com o irmão. “Foram três anos fantásticos. Tinha um grupo de amigos fabuloso, com quem viajei imenso.

Teria lá ficado, se não fosse tão agarrado à família…” Sem quase pôr os pés nas aulas, regressou a Portugal e, depois da morte do pai, pouco tempo depois, foi morar com a mãe, de quem não se separou até ao último dia da sua vida. “Viajámos muito os dois. Todos os anos íamos a Paris e Madrid. Conheço a Europa inteira, excepto a Grécia…”E o olhar perde-se num momento só dele, como se pensasse alto. Quando a mãe morreu, “ficou
desasado”. E talvez por isso esteja todas as noites a “comunicar”. Admite que o que faz “não é muito normal”, mas não passa sem isso. É o remédio que lhe permite disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, por não ter ousado viver a sua vida em vez da dos outros.”Às vezes penso que foi tudo inútil…”
No baú dos sonhos perdidos,jaz o curso que não tirou, o trabalho que nunca fez, os filhos que não teve e, pior, o grande amor que nunca conheceu. “Sinto-me só. Incompleto. Como se algo estivesse a falhar.” E assim lacrimeja quando vê um casal idoso de mãos dadas, ou quando dois rapazes, que diz “reconhecer do subconsciente”, param o jipe para tirar uma fotografia com ele. “Encontramo-nos no céu”, repete, aludindo ao que um diplomata ucraniano lhe disse uma vez. O homem do lixo atira-lhe o derradeiro aceno da noite.”


ah, e há dias vi-o num filme documentário “a curta mais longa” na 2!:)


Pois, eu tinha ideia que era uma história assim. Julgava que tivesse sido por causa da mulher (que afinal não teve), mas pelos vistos foi por causa da mãe.

Obrigado pela transcrição.


São lindas e curiosas as histórias dos nossos mitos urbanos contemporâneos.

Lembro-me muito bem do Pantónio: não sabia o nome dele mas achava-o um tipo assustador, sempre a falar do Apocalipse e afins…

E o Sr. cego do Metro também me lembro dele e doutros: o cego do acordeão na sua infinita serenidade e num terno e eterno namoro com o acordeão (ultimamente no Metro do Saldanha – agora com as obras não sei onde está, não tenho lá passado), o do violino, também cego e também artista de primeira água, na Baixa, em frente à loja dos tecidos, a rapariga cega loura que parava em frente à Confeitaria Nacional, na Praça da Figueira, com um ar tão digno e com os olhos eternamente abertos e eternamente cobertos de sombra…

Que histórias não terão para contar…?

Estes mitos trouxeram-me à memória outros de outras paragens: em Santarém, a Clementina, o homem mais efeminado e afectado que vi até hoje, magricela, sempre a correr de um lado para o outro na cidade com os seus passinhos curtos, sempre arreliada com os piropos e as piadas que ouvia à sua passagem, era a melhor empregada doméstica de todo o Distrito de Santarém!

Também em Santarém, a Mulher dos Gatos, sempre cheia de sacos de plástico, velha e suja, rabugenta, inseparável dos vários gatos que transportava consigo todos os dias e que eram os únicos seres a quem ela não insultava violentamente.

E em Mem Martins, a Mulher que escrevia e fumava sem parar, primeiro sentada em bancos de café, depois na estação dos comboios, ultimamente junto ao Millenium, já sem fumar, já sem escrever, a sombra no olhar cada vez mais cinzenta… Onde será que dormia? Se não pedia esmola, como vivia? Sempre andrajosa mas digna, com uma pose de quem frequentou no passado os melhores salões, a escrever em bocados de papel sujo mas com o olhar e a alma cheios de quem leu as mais belas histórias dos melhores autores de sempre… Não incomodava ninguém, não falava a ninguém mas a sua presença sentia-se.

Conta-se que veio de África com a família na altura da independência das ex-colónias portuguesas e que foi abandonada pela família (pelas filhas, uma filha…?). Deixei de a ver há uns tempos. O que será que lhe aconteceu?

Que vidas… Que histórias…? Que solidão…?


E lembram-se de um homem negro, dos seus 30 e tal anos, sempre de fato e gravata que tinha com ele garrafas de chamanhe e que insultava as mulheres de Cabo Verde(?)?
Vi-o penso que por anos antes do Saldanha numa paragem de autocarro.
Alguem se lembra, e já agora, que história encerrará?

Deixe o seu comentário