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Homenagem fúnebre

«Caros irmãos, estamos hoje reunidos, nesta manhã de primaveril tristeza, para prestarmos uma última e sentida homenagem a este amigo de todos nós que, cedo demais, nos deixou. Que Deus o tenha…
A verdade é que este nosso companheiro nunca teve uma vida fácil… Constantemente a ser acicatado, constantemente o alvo da piadola. E é caso para dizer: “quem nunca piadou que atire a primeira pedra”. Poderá algum dos presentes dizer, com a mão na consciência, que nunca lançou o seu satírico comentáriozinho a este pobre de Cristo que, agora, descansa o sono eterno? Eu sei que não… Eu próprio não conseguia conter uma ou outra tirada espirituosa quando ele ia ter comigo Igreja, em busca de paz e meditação.

Mas não poderia, como – assim o creio – nenhum dos aqui presentes poderia, desconfiar que estas pequenas brincadeiras tinham um efeito tão devastador na sua alma. Não poderíamos adivinhar que os nossos comentários inconsequentes o levariam a este imponderado e violento acto de tirar a sua própria vida… Talvez sejamos, todos, os reais culpados desta trágica partida.

Desde os tempos do Jardim Infantil que os seus colegas implicavam com ele… Todos os dias, ele tinha de ouvir as maldosas piadas. Diziam-lhe: “Vamos para as artes marciais!” ou “Já compraste a tua espada?”. Mas ele não se interessava por espadas, ele nunca quis aprender qualquer arte marcial. O seu sonho de vida era bem mais simples e pacífico: queria ser florista. Dava-se por satisfeito em ficar sentado ao canto do recreio, com os seus malmequeres, mas os “amigos” iam sempre desafiá-lo: “vamos brincar ao karaté!”.

Rodeado por pessoas que não o compreendiam, ele refugiou-se num mundo imaginário, onde só as plantas em flor eram suas companheiras; e nesse mundo ficou por muitos anos.
Quando tentou abraçar a sua vocação, ao inscrever-se num curso para floristas (era o único homem do grupo), a antiga maldição voltou a atacá-lo. Um chorrilho de piadas, vindas de 20 mulheres histéricas: “Um florista karateca! Ahahahahah!” – metralhava uma, “Só se for de Bonsais, meu palhaço!!!!” – gritava a outra.

Desiludido e com os sonhos desfeitos, voltou-se para a vida académica. Reformulou ligeiramente as suas prioridades, optou por seguir o curso de Arquitectura Paisagista. O primeiro ano do curso terá sido dos mais difíceis da sua vida: “Este gajo ainda vai é fazer daqueles jardins japoneses, com as rochas e a areia! Ahahaha! Dás cabo de mim, meu maluco!” – diziam os que o praxavam por entre gargalhadas luciferinas. “Onde é que queres o biombo de bambu? Ao pé da cascata?”.

Abandonou a Universidade e considerou a hipótese de abraçar a vida militar. Voluntariou-se, mas o azar atacou-o logo na entrevista inicial: “Você quer vir para as Forças Armadas? Temos de criar um esquadrão especial para si, ó catano! Ah-ah-ah! Que me diz a um esquadrão suicida? Você é talhado para isso, pá!”.

Desde então, andou perdido, a saltar de emprego em emprego. Mas o que o terá mesmo afectado foi esta recente explosão de restaurantes japoneses. A cada passo, a cada esquina, era gente a dizer-lhe “Temos de ir ao japonês!”, ou “Gostas de sushi?”, ou “Quando é que abres uma tasca com sashimi e tempura, pá?”.
Foi demais para ele. Foi a mãe que o encontrou morto no seu quarto. Overdose de malmequeres – comeu 7 quilos.
Estarás sempre na nossa memória. Descansa em paz, Sá Morais.»




– Ámen


Ele devia logo ter mudado o nome para Morais Sá, ou quiçá “Gomes de Sá” mas com este talvez fosse na mesma alvo de chacota.

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