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Violência campestre

Quando se fala em campo, a generalidade das pessoas (em especial, se forem pessoas da cidade) pensa imediatamente em coisas como paz, harmonia, tranquilidade, serenidade ou pacatez. Está na altura de desmistificar o campo! Esta imagem não passa do resultado de um pérfido esforço conjunto entre o turismo e os fabricantes de postais. A dura realidade é a de que o mundo rural é, efectivamente, um perigoso e letal campo de batalha (que trocadilho…). As cidades são grandes conquistas de humanidade. A cidade é o terreno da diplomacia e da cidadania. A cidade é o mundo do “bom dia”, do “por favor” e do “obrigado”. O campo é o primitivo, o selvagem, o local onde poderemos tomar contacto com o nosso ser mais primário e animalesco. O campo guarda a verdadeira essência do mal. É no campo que a violência mais sádica e cruel nasce.
Eu sei que o quadro que os mass media apresentam é bem distinto. Esqueçam-no: não podia ser mais falso! Não sei ao certo porque insistem em esconder esta realidade, mas das duas, uma: ou estão feitos com a malta do turismo e dos postais, ou então têm medo de ir para o campo, de tão perigoso que ele é (e, afinal, haverá algo mais urbano do que a TV?). Seja como for, nas entrelinhas, mostra-se alguma desta realidade; basta estarmos atentos. Um exemplo claro: os distúrbios dos últimos dias em França. A ideia que passa é que as grandes cidades francesas têm vivido madrugadas de terror mas, de facto, a violência tem ocorrido nos arredores das cidades. Ora, é precisamente nos arredores, nos subúrbios, que a cidade se encontra com o campo e, a esta luz, torna-se claro que a onda de violência encontra a sua raison-d’être (afinal, é em França) não na cidade, mas no campo. Se os jornalistas se aventurassem para fora das fortalezas de segurança que são as cidades, encontrariam um mundo muito mais violento, um mundo de lutas constantes entre gangues rivais de agricultores (os do centeio e os do trigo), onde todos os dias as enxadas ficam manchadas de sangue, onde os clarões de tractores incendiados alumiam as negras noites, onde não há dia que passe sem tiroteios drive-by em Toyotas Dyna…
A pergunta que urge colocar é esta: «O que há no campo que incita a estes comportamentos bárbaros?». Seguramente, os sociólogos que visitam o DQD já estão a pensar num conjunto de razões socio-económicas para este facto (a pobreza, o atraso tecnológico, o maior nível de analfabetismo, etc.). Contudo, a resposta é bastante mais simples e directa, estando, ironicamente, e em particular nesta altura do ano, à vista de todos. Falo da apanha da azeitona.
Pode parecer estranho que uma actividade tão inocente como a apanha da azeitona seja responsável por tão amplos banhos de sangue, mas a verdade é que a apanha da azeitona só se apresenta como uma actividade inocente a um desatento olhar superficial. É que a apanha da azeitona, contrariamente, por exemplo, à apanha da laranja, da maçã ou do morango, é feita à paulada. Não há aqui gestos cuidados e carinhosos de escolher o fruto, separá-lo delicadamente da árvore e acondicioná-lo delicadamente no cesto; a técnica aqui é a de pegar num valente bastão, e encher a pobre árvore de bordoadas até que ela largue as sacanas das azeitonas. Ora, era só uma questão de tempo até que este tipo de comportamento tivesse como alvo, não as oliveiras, mas pessoas com o apelido Oliveira, e dessas para todas as outras pessoas, independentemente do apelido.
Depois dos apanhadores de azeitona espalharem o terror nas aldeias e caminhos desse Portugal profundo, chegou a vez das cidades. As primeiras zonas a serem atingidas são os subúrbios. Não por ser lá que ficam os bairros mais pobres e problemáticos, mas precisamente (e como já se viu) por serem os primeiros a acolher as migrações de apanhadores que vêm do campo para a cidade, em busca de uma maior prosperidade (ou seja, em busca de um maior número de pessoas para espancar). Uma vez chegados aos subúrbios, alguns destes elementos infiltram-se em grupos mais influenciáveis de jovens e, de imediato, começam a espalhar a sua venenosa doutrina. O departamento de acção social do DQD teve acesso a alguns depoimentos chocantes de jovens que enveredaram por essa estrada sem retorno que é a violência, por influência destes apanhadores migratórios:

Tinha acabado de fazer os trabalhos de casa, e estava a jogar ao pião com um meu amigo, enquanto esperávamos que a biblioteca abrisse. Nisto, chega um indivíduo que nunca tínhamos visto, com patilhas, samarra e boina que meteu conversa connosco. Disse-nos qualquer coisa do género: «Dreads, sabem onde é que vocemecês arranjam uns piões mesmo cool, man? Conheço um brother que tem um negócio obscuro disso, mas têm é de ter guita… Aquela cota que vai do outro lado da estrada é que parece estar bem fornecida! Vão lá, levem este cajado, e dêem-lhe com ele com força até ela largar a azeit… a guita toda, sócios!». E nós lá fomos… O pior é que ele nem sequer conhecia ninguém no negócio do jogo infantil, mas quando nos apercebemos disso já era tarde demais: já estávamos viciados, e como no bairro social não temos oliveiras, não tínhamos outro remédio senão continuar a bater nas pessoas…

Poucos são os jovens que conseguem sair desta vida… Muitos acabam por abraçar devotadamente o bastão, e dão o passo final para um autêntico apanhador de azeitona urbano: a claque de futebol. Não é difícil reconhecê-los no meio das hostes: são os que, por um lado, têm maior mestria no manejo do cacete e que, por outro, têm mais facilidade em explicar o que é a acidez do azeite, do que em explicar o que é um offside.




Eu moro no campo. Cá não há oliveiras, mas como hoje é 5ªfeira… há caça.Ora aqui está um desporto em equipa que só um é que goza.Ir á caça é muito divertido: depois dos assassinatos em massa há os comes e bebes e então é vê-los aos tiros uns aos outros, é vê-los a irem embora e esquecerem-se dos cães, é vê-los a esquecerem-se das armas carregadas e os filhos a matarem-se uns aos outros ou para ser ainda mais cool matarem o vizinho do lado porque não lhe disse bom-dia.
Não são todos (graças a Deus)que fazem estas coisas mas de qual maneira acho patológico alguém tirar vidas por desporto e por prazer.
VIVA O CAMPO.

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