Hoje não se fala de mais nada a não ser da libertação de Carlos Silvino, vulgo Bibi. Ao que parece, uma onda de consternação está a invadir as caras e corações de toda a gente com quem tenho falado (desde o senhor José do restaurante até à minha empregada doméstica). A meu ver, não há motivo para tal.
Sim, Carlos Silvino pode ter cometido alguns crimes. Seiscentos e trinta e nove (639), para ser mais preciso. Mas será que isso faz dele uma má pessoa?
É claro que, de acordo com o senso comum e quase por intuição (aquilo a que os ingleses chamariam o gut feeling), uma pessoa como Carlos Silvino deveria ser colocada para sempre atrás das grades. O que é preciso é ter noção da escala de importância de um criminoso dentro das leis que regem o funcionamento de uma organização criminosa. Só assim se perceberá o verdadeiro impacto que aquele ser humano, prevaricador de baixo galardão ou fora da lei de alto gabarito, terá se for libertado para a sociedade.

Por isso, e porque nós temos um prazer quase perverso em ajudar todos aqueles que consideram termos um humor de mau gosto (embora, de certa forma, isso seja um elogio), decidimos criar uma escala de classificação de criminosos. A ideia não é revolucionar o sistema judicial português. É apenas fazer-lhe um pequeno upgrade de modo a que possa acompanhar a evolução dos tempos.
Assim sendo, podemos considerar que os marginais, em geral, se dividem da seguinte forma:

Prevaricador – 1 > 50 valores
O prevaricador, no fundo, somos todos nós. É a garrafinha de vinho que é oferecida ao instrutor de condução para ele nos deixar passar no exame; é a beijoca dada à amiga da namorada de uma forma picante, todavia, inofensiva; é o fim-de-semana com a patroa, na sua vivenda no Cartaxo, para aumentar um pouco as possibilidades da subida do salário acompanhar a subida da inflacção (a malta vende-se por pouco, nos dias que correm…);
1 – 50 significa que qualquer prevaricador pode cometer até 50 destes crimes de baixa corrupção, uma vez que atribuímos a cada um deles um (1) valor unitário. Sejamos sinceros, não são estes crimes que vão pôr em causa a segurança da nação. Podem operar monstruosidades em termos de mentalidades e ser até responsáveis pelo estado da nação. Mas não representam um perigo directo e letal para ninguém. Por isso, são crimes que valem um (1) valor. Logo, podem cometer-se cinquenta deles sem medo de subir de escalão.

Criminoso – 51 > 1000 valores
Embora hajam mais valores entre 51 e 1000 do que entre 1 e 50, isso não quer dizer que os criminosos possam cometer mais crimes. Porquê? Porque o valor atribuído a cada crime também aumenta. Daí a necessidade de aumentar o intervalo de valores. Chama-se a isto uma escala logarítmica.
É o criminoso que costumamos ver, por exemplo, a cometer assaltos à mão armada em estações de serviço; a beber e a pegar no carro em seguida; e a comprar cassetes do Tony Carreira para ouvir enquanto conduz. (nota: como um jurista teve o bom senso de nos informar, roubar uma cassete do Tony Carreira não é considerado crime mas sim serviço público. O criminoso eventualmente é apanhado, a cassete fica a apodrecer nos calabouços da PJ, e o Tony Carreira não ganha royalties porque, para todos os efeitos, não ocorreu venda alguma… Toda a gente ganha!)
Cada crime está quantificado em 100 valores. Ou seja, o criminoso já poderá ir dentro se for apanhado a cometer qualquer destes crimes (incluindo o de comprar cassetes do Tony Carreira), mas só sobe de escalão se cometer mais de 10 (10 x 100 = 1000).
Pergunta o leitor “então e no caso do criminoso cometer 11 crimes e não ser apanhado?”
Subirá, então, para

Profissional – 1001 > 10000 valores
Quando falamos de um profissional, falamos de um ser humano focado e com tendências psicopatas. Um ser polarizado. Durante o dia é engenheiro ou gestor. À noite é pedófilo e alicia criancinhas nas salas de chat da especialidade.
Também podemos incluir na categoria profissional, claro está, os assassinos profissionais que trabalham a cargo do governo ou para entidades particulares. No fundo, qualquer crime que seja perpetrado em plena consciência e premeditação.
Daí os fora-da-leis poderem evoluir de escalão. Verdade seja dita, se um criminoso(ver categoria anterior) cometer mais de 10 crimes sem ser apanhado, subirá automaticamente para o escalão de Profissional. Até porque os seus crimes, dada a sua sofisticação e premeditação, passarão a ser cometidos deliberadamente. E então ele será dignificado com o respectivo título profissional.
Confuso?
Cada crime possui 200 valores. Logo, só se subirá para o escalão superior se se cometerem, ora deixem-me fazer as contas, cerca de 50 destes crimes (arredondamente). O que significa que Carlos Silvino, tendo cometido 639 crimes, ascenderá ao título seguinte.
Trata-se de

Carrasco – 10001 > 200000 valores
Ao contrário de um profissional, um carrasco é um criminoso que não só é recompensado de alguma forma para cometer os seus crimes, como gosta daquilo que faz. Não age apenas por impulso. Para além disso, o carrasco não só é bom naquilo que faz como tira uma grande satisfação do seu trabalho. No fundo, é um empregado satisfeito. Cada crime cometido por um carrasco vale 300 valores. E tendo em conta que Carlos Silvino cometeu 639 crimes, então 639 x 300 valores = 191700. Ou seja, fica a uns confortáveis 8300 valores da próxima subida de escalão.
Logo, Carlos Silvino é, para todos os efeitos um carrasco. Isso indica-nos que ele gozou enormemente com as violações que infligiu nas suas vítimas, tal como também significa que era apenas uma peça de uma engrenagem mais complexa e à qual servia.

Ditador – 200001 > ilimitado
Quando se falam de crimes de larga escala, na ordem das centenas de milhar ou mesmo milhões, estamos normalmente a falar de limpezas étnicas. Ou, como agora se chamam, crimes contra a Humanidade.
Hitler deve ser o ditador mais famoso de todos os tempos, tendo chacinado cerca de 6 milhões de pessoas na sua tournée europeia.
É preciso que se note que, enquanto o leitor lê estas palavras e coloca uma cruzinha ao lado do tipo de marginal em que se gostaria de tornar, nem todos têm estofo para ser ditadores. É preciso jogar com variáveis e equações políticas muito complexas antes de se chegar a tal posto. E, verdade seja dita, é muito pouco provável que volte a aparecer mais algum ditador na Europa após Margaret Tatcher. Pelo que talvez seja uma hipótese algo remota de ambicionar…
Em todo o caso, tal como Woody Allen diria, os recordes existem para serem batidos.
6 milhões é um número grande.
Poderá um dia ser igualado?
Ninguém sabe. É por isto que esta escala está em aberto.

Portanto, em suma, Carlos Silvino terá de ser castigado pelo que fez. Afinal, ele é um carrasco.
Mas é essa, também, a sua fraqueza. Sendo apenas um peão neste jogo de xadrez que é o caso Casa Pia, Carlos Silvino já não cumpre ordens de ninguém. Logo, não tem trabalho. E sem trabalho, não pode usufruir das coisas que lhe davam prazer.
Pelo que já não é uma ameaça nos dias que correm. Até porque esteve preso três anos e a versão do Messenger que possui instalada no seu computador já não é compatível com as novas versões que agora existem para Windoz XP.
Falar sobre estas coisas com os fãs do DQD é uma experiência libertadora.
Quem me dera que as pessoas que estavam no restaurante tivessem sido igualmente compreensivas. Ou então, quem sabe, talvez este assunto não devesse ter sido abordado ao pé de um grupo de vinte pais que se preparavam para uma reunião no infantário da porta ao lado…

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