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A minha ressaca

O fenómeno da ressaca, seja lá relativa a que droga for, atinge os seres humanos de formas distintas. Vou aqui descrever como a ressaca me atingiu a mim, na esperança de poder, com a minha experiência, ajudar algum leitor desesperado.
O primeiro dia é sempre o pior.
No meu caso, o problema agudizou-se à noite, quando me encontrava no meu apartamento. Comecei por sentir suores frios seguidos de suores quentes, acabando em suores mornos (os piores de todos! Nunca sabemos para que lado vão virar…). Deitado no sofá da sala, uma dor impressionante percorreu-me o corpo de cima a baixo! Apenas me ocorriam pensamentos do género “Então e se ceder apenas hoje? Talvez amanhã tenha mais forças para combater a falta do produto! Meto-me no carro e vou num instantinho até ao escritório. Lá tenho tudo o que preciso.”. Mas um homem tem de se manter firme nas suas decisões. Eu decidi que ia deixar aquela droga naquele dia, e tinha de resistir a todo o custo.
A companhia da televisão não ajudou. Como tinha passado o dia com a cabeça toda trocada apenas por considerar a perspectiva de deixar a minha droga, nem me lembrei de passar no clube video para alugar um filme. A TVi só dava as telenovelas merdosas do costume. A SIC dava telenovelas igualmente merdosas, mas vindas do outro lado do Atlântico. Não reparei no que a RTP1 estava a dar, pois nem a tenho sintonizada no meu televisor. E quando virei para a RTP2 e reparei que estava a dar um documentário sobre o Schoenberg, o pior aconteceu! (não é que eu não ache Schoenberg interessante. Só não queria ouvi-lo naquele momento…) Nesse momento, levantei-me rapidamente, o que se revelou uma operação complicada dadas as dores que me inundavam o corpo. No meio de gritos e de uma sensação de pânico sem igual, dirigi-me o mais depressa que pude para a casa-de-banho, urinando-me pelo caminho e soltando violentas flatulências de uma forma involuntária. Na verdade, não me apercebi das flatulências nesse momento. Desconfiei apenas que algo estrondoso havia ocorrido, pois quando voltei da casa-de-banho e me dirigi a uma janela para apanhar um pouco de ar, reparei que a brigada de minas e armadilhas da PSP tinha isolado os dois quarteirões circundantes ao meu prédio, possivelmente com medo de um ataque químico qualquer.
“Ah! A coisa está-se a compôr!”, pensei, “Com o prédio de quarentena, mesmo que queira sair para me viciar não o conseguirei fazer!”.
E foi graças a esta muleta que consegui arranjar forças para atravessar aquela que foi a noite mais longa da minha vida.
Só consegui dormir trinta minutos nesse dia. As minhas olheiras mais pareciam alheiras. E cada vez que limpava as remelas dos olhos, novas remelas formavam-se com a mesma velocidade com que governos de coligação se formam em Portugal.
O dia foi medonho. Apenas a quantidade de trabalho excessiva permitiu que não tivesse uma recaída.
A segunda noite foi um pouco mais branda. Nesse dia não corri o erro de não alugar um filme. Aluguei o Titanic, pois – para além de querer ver um filme que não me obrigasse a pensar – achei a comparação interessante. E só quando vi o Leonardo di Caprio a afundar-se, congelado e com as feições roxas, me comecei a sentir melhor. Nessa noite já dormi duas horas.
E os dias foram passando.
Já lá vai um mês. Hoje estou bem, estou limpo, estou no meu auge.
Largar o acesso à internet em casa foi difícil!
Mas consegui! Rescindi do contrato com o SAPO.
Agora, quando chego a casa, já não me agarro ao computador. Faço-o apenas durante o dia, no escritório.
Em casa leio um livro, uma revista, vejo filmes, masturbo-me violentamente, ou vou tomar um gin tónico ao Bairro Alto… no fundo, qualquer coisa que me tire a cabeça das centenas de emails que chegam continuamente à minha caixa de correio electrónica ou de outras inutilidades que me roubavam o tempo e não me deixavam viver saudavelmente.
Tenho a cabeça no lugar. Sinto que há mais no mundo para além de caracteres num monitor TFT.
Aprendi a apreciar mais as coisas simples da vida, como dar grandes passeios nocturnos de carro por Lisboa enquanto oiço uma música que gosto ou encandear os outros automobilistas fingindo que me esqueci dos máximos ligados desde que saí de casa.
Não há nada a fazer. Sou um rato lisboeta.
E esta fantástica cidade resgatou-me das garras do submundo electrónico da internet.
A ressaca passou à História.
E agora, outra história começa.




Ao princípio estavas a assustar-me.Ainda bem que eu não moro para os teus sítios.

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