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Tecnologias móveis

“Comprei um Motorola BMX-16B-XPTO!!”, disse-me um conhecido, todo contente. Pelo ar entusiasmado dele, calculo que seja daqueles novos modelos tão pequenos que obrigam o utilizador a segurá-los com a ponta dos dedos, não vão eles perder-se pela manga do casaco abaixo. Mas mais engraçado que ver um bimbo a exibir o seu micro-telelé de última geração em frente a uma loja qualquer de um centro comercial, deixando-nos na dúvida se tem mesmo um telemóvel na mão ou uma cotonete, só pode ser o facto de que há mesmo quem pague 90 ou 100 contos para ter um telemóvel mais pequeno.
Independentemente de um telemóvel muito pequeno ser difícil de manejar e possuir o microfone a uma maior distância física da boca, os novos micro-telemóveis são já considerados artigos de moda. Eu não sou fã daqueles telemóveis primordiais que precisavam de ser carregados juntamente com uma bateria automóvel. Mas também não sou fã destas micro-qualquer-coisas em que não conseguimos marcar um número sem o auxílio de um lápis bem afiado.
Realizei, recentemente, uma sondagem perto de um grupo de trinta amigos e conhecidos, num escalão etário dos 20-40 anos, igual número de homens e mulheres. Cheguei a conclusões interessantes. Cerca de vinte e seis usam o telemóvel apenas para fazer chamadas, receber chamadas, e guardar alguns números de telefone na agenda. Apenas três usam características mais avançadas como o reenvio de chamadas e tele-multibanco. Um deles não quis responder.
Em contrapartida, vinte e um afirmam ter trocado de telemóvel nos últimos dois anos, por um modelo mais recente. Quatro dizem não se importar com isso, continuando a usar o mesmo aparelho que compraram anos atrás. Outros quatro tencionam comprar um modelo mais recente nas próximas semanas. Um deles continua a não querer responder. (sacana do Acácio!)
Sou levado a concluir que, para a maior parte das pessoas, um telemóvel não se trata de uma peça fundamental e essencial à sobrevivência mas de um produto que, mediante meia-dúzia de opções (marca, modelo, rede, cor da caixa, tamanho do ecran, etc.), lhes permite experimentar uma sensação de individualidade e afirmação pessoal.
O toque de um telemóvel também é muito importante. Todos gozamos quando o telemóvel do senhor da mesa do lado começa a entoar a Inacabada de Schubert desafinadamente, como se TODOS os toques de TODOS os telemóveis não fossem a coisa mais parola e irritante do mundo. Gosto de comparar o toque de um telemóvel ao choro de uma criança, pois ambos têm a capacidade de me desconcentrar completamente do que quer que esteja a fazer, e nunca sei quando vão começar de novo. Felizmente que o telemóvel sempre pode ser desligado.
Fora deste universo do “hardware” propriamente dito, é impossível deixar de reparar em certos factos. Num país como Portugal, em que toda a gente vê os mesmos programas, lê os mesmos jornais, livros, revistas, ouve a mesma música, veste-se da mesma maneira (e goza com quem sai da norma), come os mesmos pratos e vota nos mesmos partidos merdosos, que raio de justificação plausível é que pode haver para todos quererem estar permanentemente contactáveis? Será que as dezenas de milhar de conversas telefónicas de chacha que estão a tomar lugar neste momento são assim tão urgentes a ponto de terem de poluir o ar com uma massa quase palpável de radiações electromagnéticas? Eu nunca dormi tão bem desde que mandei forrar de chumbo as paredes da minha casa, de modo a poder libertar unicamente “ondas de relaxe” enquanto descanso.
No entanto, é um paradoxo notável: quanto mais o ser humano se torna igual a todos os outros, mais ele precisa de se sentir único e diferente, e mais contactável ele fica.
Não existe nada capaz de travar a evolução tecnológica e, inevitavelmente, todas as tecnologias móveis se tornarão verdadeiramente móveis, no sentido em que deixaremos de pensar nelas.
Num futuro não muito distante, em vez de telemóveis possuiremos implantes nas orelhas que nos permitirão ouvir os nossos interlocutores ou mesmo escutar música, com som surround de alta fidelidade, sem incomodar os vizinhos. Para responder, utilizaremos microfones implantados na ponta da língua, à prova de saliva e pastéis de bacalhau. Com um par de óculos poderemos proteger-nos do sol, ler textos microscópicos, possuir visão raio X para que possamos ultrapassar seguramente nas curvas, e ainda ver os programas que nos apetecer, quando e onde nos apetecer. Tudo isto ligado à internet, claro.
No dia em que os nossos corações passarem a ser controlados por um cristal de quartzo, de modo a que batam de uma forma regular e sem caos, acho que nos devemos dar por vencidos e aceitar que fomos colonizados por uma inteligência superior: a máquina.
Por enquanto, rimo-nos enquanto pensamos nestas coisas.
Mas os telemóveis estão a ficar cada vez mais pequenos, e nós não estamos a ficar mais espertos.

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