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Os gordos

Hoje, vou escrever sobre os gordos.

Poderá parecer socialmente incorrecto, nestes tempos em que a moda é ser lingrinhas, alguém falar dos anafados. Dirão que só os parvos ou os gordos o fariam e eu concordo. Mas acreditem, não sou parvo.

Só quero chamar a vossa atenção para os grandes suplícios que temos que suportar, quase todos os dias. Os olhares de reprovação, os comentários sarcásticos, os risos trocistas, as crianças, na sua crueldade, própria da idade, a dizerem “Olha, um gordo!”, como se estivessem a ver um animal em vias de extinção.

Por exemplo, já repararam que numa discussão mais acesa, a primeira ofensa, em vez de filho da puta, é “gordo!”? Eu fico sempre desarmado, sem saber o que dizer. Não consigo perceber se aquilo é uma informação, um aviso, uma indicação de que se vai dirigir a mim, ou o que possa ser. É como se eu pretendesse ofender um loiro e gritar-lhe: – “Seu loiro!”. Ficava logo em desvantagem, como se tivesse falhado a primeira ofensa. Por isso, não perco tempo a chamar magro a alguém. Mando logo com a artilharia pesada.

Mas se todos os problemas fossem estes…
A dificuldade em arranjar roupa, com o vendedor, numa falsa simpatia, a dizer que não tem tamanhos grandes. E, quando há roupa que nos sirva, temos que a pagar mais cara. Claro, leva mais tecido! Até os nossos amigos olham para nós, desconfiados, quando nos atrevemos a pedir-lhes uma boleia no carro novo. Mesmo que depois passem o tempo a gabar a suspensão daquela máquina.
E as doses de comida que nos obrigam a comer, quando ganham coragem para nos convidarem para jantar lá em casa. Nunca acreditam que não temos mais fome.
Ou fica alguém ofendido porque não gostámos da comida, ou ficam irritados porque pensam estarmos a fazer cerimónias.

E as reacções que se observam nos transportes públicos, como se estivéssemos a roubar por não pagar dois bilhetes? A energia que é necessária para convencer alguém a dar um jeito para nos deixar sentar. Os conselhos que nos dão, informando-nos de como faz bem andar a pé. A piada que acham ao dizer que o transporte devia ser pago de acordo com o peso.
Um dia, cansei-me destas questões e, numa hora de ponta, comprei mesmo dois bilhetes. Foi a pior solução. Como não deixava ninguém sentar-se no lugar ao meu lado, apesar de explicar que tinha pago pelos dois assentos, começaram a chamar-me gordo egoísta, que ia ali à larga, que não tinha ponta de civismo, que os gordos achavam que eram donos do mundo. Desisti.

Pensei comprar carro. Iria à larga, à minha vontade, sem ouvir comentários, nem piadas. Estava enganado. O vendedor foi simpático e evitou todas as referências ao meu tamanho. Deixou-me sentar, à frente, atrás, do lado esquerdo e do lado direito. Parecia tudo bem. Depois do negócio fechado, quando fiquei por minha conta, aconteceu o inexplicável. O carro parecia ter encolhido O volante ficava encalhado na barriga, os joelhos batiam no tablier, o travão de mão ficava enterrado na coxa, nunca sabia se era mais fácil sair lá de dentro de costas ou de frente e, quando entrava, as pessoas continuavam a mandar bocas ao verem o carro inclinar-se. Se acontecia ir alguém ao lado, nas curvas à esquerda, tinha que tomar precauções extra. É que é perigoso fazer uma curva com alguém a cair-nos em cima.
Tomei a decisão de mudar de emprego, para poder ficar a trabalhar onde vivia. Agora vou a pé para o meu trabalho. Continuo a ouvir piadas e a ver olhares trocistas, mas dizem que é mais saudável.

Mas ainda há mais coisas! Uma, que me irrita muito, é passar horas sem tocar num bolo e, quando, finalmente, não resisto à tentação, aparecer logo alguém a perguntar como é que quero emagrecer assim. Mas se eu nunca disse que queria emagrecer?! Se compro um gelado ou um chocolate, é certo e sabido, aparece um desmancha-prazeres a informar que aquilo engorda. A minha defesa é responder que só engorda se for acompanhado de tapioca. Como a maior parte das pessoas não sabe o que é tapioca, ficam a pensar no assunto e deixam-me em paz.

Agora, que já sabem um pouco o que sofre um tamanho XXXL, expliquem-me vocês porque é que passam a vida a dizer que a maioria dos gordos tem sempre um aspecto calmo e um ar bem disposto e alegre?

Cumprimentos.
Jorge Sequeira

P.S.
Pronto, eu digo. Tapioca é um doce, feito mais ou menos como o arroz doce, mas confeccionado com mandioca granulada. Não sabem o que é mandioca? Perguntem ao próximo gordo que encontrarem.




Gostei de ler.É um pouco a história dos últimos dez anos da minha vida.Caí a uma cama , fiz três operações e passei de 89 a 182 kg!Depois passei por tudo aquilo aqui descrito. Se as pessoas soubessem o que irrita ouvir: – Sr. Zé ,olhe que isso engorda! Vão lamber tapioca!
“Forte”abraço.

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