Hoje, vou escrever sobre os fumadores.

Mais um texto socialmente incorrecto. Mas faço-o tranquilamente, pois li no DN que este site é para adultos. A minha única preocupação é que a moda dos USA já cá tenha chegado e eu me veja envolvido em vários processos de indemnização por ter influenciado alguém a fumar. Por isso, pessoas facilmente influenciáveis, devem parar de ler aqui.

Agora, que só devo estar a ser lido por fumadores, deixem-me lá divagar um pouco.
Eu penso que a história dos pedidos de indemnização às tabaqueiras é mais interessante do que muitos imaginam.
O que é que me impede a mim, pessoa sensível à publicidade, de ligar para os telefones, de valor acrescentado, daquelas boazonas que aparecem nos jornais a prometer tudo e mais alguma coisa? Nada, dirão vocês, pensando que como adulto bem o posso fazer. Concordo. Só que não penso pagar a conta milionária que a PT me deve apresentar no fim do mês. Preciso é de arranjar um advogado que convença o juiz que eu fui aliciado pela publicidade e não lhe consegui resistir.
E depois de um serão bem passado a ver tv e respectivos anúncios, porque é que não me hei-de dirigir a um centro comercial e comprar tudo o que a publicidade me convenceu, prometendo-me a felicidade plena ao adquirir os tais produtos. Claro, preciso do citado advogado.
Isto levava-nos a um admirável mundo novo, onde ninguém era responsável pelos seus actos e todos seriam responsabilizados por publicitarem alguma coisa. Até o governo podia ser chamado a pagar-me uma indemnização por eu estar endividado. É que acreditei neles quando me prometeram maior poder de compra, inflação controlada, juros baixos e crescimento económico. Fui a correr comprar casa, carro, computador Titanium e mais umas insignificâncias.

Bom, não se ponham com ideias e vamos lá voltar aos fumadores.
Deixem-me já confessar que sou viciado. Declaro que sou fumador e que tenho dificuldade em concentrar-me se estiver muito tempo sem fumar. Começo a ficar nervoso, cometo mais erros, respondo asperamente a qualquer pergunta, só consigo pensar nos cigarros, não consigo funcionar sem a maldita nicotina! Portanto, julgo que reuno todas as condições para ser considerado um viciado. Nem melhor, nem pior que muitos outros. No entanto, o cerco aperta-se em redor dos fumadores.
Ainda alguém se lembra do tempo em que se podia fumar nos transportes públicos? Era um exagero, claro. Agora, nem nos aviões. Nem nos locais públicos. Nem no local de trabalho. Nem em alguns restaurantes. Mesmo na rua, já há quem olhe para nós com cara de querer interditar tal coisa.

Um destes dias, na minha ida ao café, onde ainda me deixam deitar fumo, ia a entrar atrás de uma senhora que levava uma criança pela mão, quando um viciado, com ar mais aflito que eu nas horas difíceis, se aproximou e pediu uma moeda para comprar pão. A senhora, pacientemente, abriu a bolsa e deu-lhe qualquer coisa. Explicou à criança que era um drogado e que se devia ajudar os outros sempre que se pudesse. Excelente atitude, pensei eu. No café, já depois da bica e quando me preparava para saborear o jornal, acendi um cigarro. A criança, que tinha ficado com a mãe numa mesa perto de mim, gritou:
– “Mãe! Mãe! Este senhor está a fumar.”
Assustei-me, aquilo era mesmo comigo. A senhora olhou para mim, com ar de quem me ia expulsar da cidade e ensinou à criança:
– “Sabes, há pessoas que não sabem respeitar os outros. Julgam que o mundo é só deles e que podem fazer o que lhes apetece.”
Excelente pedagogia, meditei eu. Estive quase para lhe ir pedir uma moeda e ir esconder-me atrás de um muro a fumar um cigarro descansado.

Cumprimentos.
Jorge Sequeira

P.S.
Acham que deva mudar de droga?

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