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Nudismo

Hoje, vou escrever sobre nudismo!

Um destes dias, tive que ir a uma consulta no hospital. Não um hospital qualquer. A um Hospital Distrital!
Amigos e familiares avisaram-me dos riscos que eu ia correr. Assegurei-lhes que sabia ao que ia. Também era funcionário público e não seriam alguns colegas que me iam assustar.
Assim, quando chegou a minha vez de ser atendido, estava confiante, bem disposto e paciente.
– Boa tarde! – Disse, estendendo o documento que tanta confiança me dava.
– O senhor, não veio cá marcar! – Informou-me a colega, mesmo sem ter olhado para o que estava escrito no papel.
– Não, foi marcada pelo centro de saúde. Eu fui lá pedir uma consulta, por causa dos olhos.
– Então, eles não sabem o que andam a fazer. Hoje não é dia deste médico dar consulta. Quem está a seguir? – E devolvia-me o papel onde eu depositara tantas esperanças.
– Não tem importância. Para mim pode ser qualquer oftalmologista. – Insisti.
– Tem de marcar nova consulta no guichet oito. Marque para um dia em que este doutor cá esteja.
– Não pode ser. Então estou aqui e tenho que me ir embora sem consulta? Por um erro que não foi meu? Arranje-me um médico qualquer. Não me diga que não há mais nenhum?
РDirija-se ao guichet oito. Ṇo pode atrasar mais a fila.
Eu sabia como lidar com a burocracia. Eu era um deles!
Já tinha perdido a boa disposição, mas ainda estava confiante e paciente.
Voltei ao ataque.
РOlhe, para ṇo atrasar a bicha, eu quero falar com o seu superior.
– Dona Eduarda! Faça o favor de atender este utente. – E não me deu mais atenção.
A Dona Eduarda levantou-se lá do seu canto, fez-me um gesto para eu me dirigir para uma ponta do balcão e perguntou-me o que se passava. Disse-lhe.
Ela mostrou-se condescendente.
– Eu compreendo a sua situação, mas a minha colega já disse o que tem de fazer. Não há outra solução.
РTem que haver. Eu ṇo posso ser penalizado pelo mau funcionamento do servi̤o.
– A minha colega já esclareceu que a culpa foi do seu centro de saúde. Vá ao guichet oito para resolver o assunto.
Acabei por perder a paciência, restava-me a confiança.
– Olhe, faculte-me o livro amarelo, quero reclamar.
– Mas vai reclamar de quê? Se não tem consulta só pode queixar-se de si e do centro de saúde. Nós temos normas que temos que cumprir e todos os centros sabem disso.
– Mas faz algum sentido eu ficar sem consulta? É a primeira vez, tanto faz um médico como outro. Eu não pedi este em especial! – Não me venceriam sem eu dar luta.
– Hoje já não há vagas. Se é urgente, vá às urgências ou procure uma clínica particular. Porque é que não tenta resolver junto do seu centro de saúde?
– Não tenho que lhe dar satisfações. Ou me faculta o livro de reclamações, ou me arranja consulta para hoje. E não julgue que eu não sei o que tenho que fazer. Também sou funcionário público e sei muito bem quais são os meus direitos e os meus deveres. Como utente e como trabalhador.
O meu tom firme deve tê-la impressionado. Pediu-me para esperar um momento que ia ver se algum médico me atendia.
Passados poucos minutos reapareceu, acompanhada por uma enfermeira.
– Teve sorte. Ainda cá está um médico que lhe vai fazer a consulta.
Acompanhe a senhora enfermeira que ela indica-lhe o gabinete.
Quase que recuperei a boa disposição e a paciência. Tinha vencido a burocracia. Antecipava o gozo de contar o episódio aos familiares e amigos pessimistas.
Segui a enfermeira que me conduziu a um gabinete. Mandou-me sentar e aguardar que o médico não deveria tardar. Quando já ia de saída, voltou-se e mandou-me ir despindo para adiantar serviço.
Despir?! Eu ia a uma consulta dos olhos! Deixei-me estar sentado. Ela devia estar distraída.
Mas ela reapareceu e insistiu:
– Então? Ainda está na mesma? Não me ouviu dizer para se ir despindo?
– Ouvi … mas … é que eu venho para uma consulta de oftalmologia.
– E então? Acha que com o seu excesso de peso o médico não vai querer auscultá-lo e observá-lo? Vá lá uma pessoa entender estes utentes. Se os médicos não lhes medem a tensão arterial, dizem que foram mal consultados, mas se uma pessoa lhes diz para irem adiantando serviço, deixam-se ficar sem se mexerem. Vá, toca a despir-se!
Contrariado, comecei a despir-me. Quando hesitei em tirar as cuecas, ouvi imediatamente a voz:
– Vá, é para tirar tudo que o médico já aí vem.
Quando tirei a última peça de roupa perdi o resto da confiança que ainda tinha. Nu, num hospital, naquele ambiente hostil, quem é que podia apresentar um mínimo de boa disposição, de paciência ou confiança?
Entrou o médico. Olhou para mim, da cabeça aos pés, e sentou-se à secretária a estudar os papéis que a enfermeira tinha deixado. Passado um bocado, voltou a olhar para mim, mandou-me sentar e perguntou:
РEnṭo, o Sr. Jorge vem para a consulta de oftalmologia?
– Sim, senhor doutor. – Respondi hesitante.
– E … está mais à vontade assim?
– Assim … como?
– Sente-se bem?
– Bem … sinto.
– Sabe, o seu médico habitual não está cá.
– Mas se é a primeira vez que cá venho, não tenho médico habitual.
– Então, não se lembra de ter cá estada a semana passada? E na anterior? E nas outras todas?
– Nunca cá estive! É a primeira vez! – O meu tom de voz já era de irritado.
Parecia que estavam a gozar comigo.
РTenha calma, ṇo se irrite. Ṇo tem import̢ncia nenhuma ṇo se lembrar.
– Mas eu lembro-me muito bem! Sei o que estou a dizer.
– Sim, claro. Ninguém está a duvidar. Olhe, se se sentir melhor assim, deixe-se estar. Se preferir, pode-se ir vestindo. Faça como lhe apetecer que eu vou sair, mas não demoro nada.
Comecei a vestir-me, decidido a ir desancar as colegas, escrever no livro amarelo, falar ao director de serviços, queixar-me a alguém daquele tratamento.
Quando estava pronto, reparei que os papéis que a enfermeira levara estavam em cima da secretária. Peguei no primeiro. Era uma ficha de um Jorge, mas não era minha. Procurei nos restantes. Nada que tivesse o meu nome, nenhum relacionado comigo. Todos diziam respeito ao outro Jorge e às consultas que ele, semanalmente, fazia de psiquiatria.
Sentei-me a recuperar e a pensar no que iria fazer. Não tive tempo. Entraram dois seguranças e avisaram que me acompanhavam à porta da saída.
Nada a fazer. Tinha sido vencido pelas minhas colegas! Eu, quase um mestre em burocracia, tinha sido gozado, se calhar, por algumas principiantes. Já nem entre os burocratas havia solidariedade.

P.S.
Relativamente à primeira linha do texto, desta vez, pelo menos, meti um homem nu.

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