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Natal

Hoje, já com o Carnaval à vista, é que vou escrever sobre o Natal. Está tudo mais calmo, passou a fúria consumista, abriram-se e já quase se esqueceram todas as prendas, e eu, estou-me a restabelecer dos traumas sofridos.

Traumas provocados, por incrível que pareça, por dois artigos, lidos num jornal qualquer. Lidos antes dessa época festiva, mas que tiveram efeitos catastróficos durante a Natividade. Um abordava a troca de prendas, tradicional no meu meio (“meu meio” significa: pequeno burguês, com educação católica), como indicador do estatuto que cada um detém no círculo onde se efectua esse dar e receber.

O segundo artigo tratava do aproveitamento de prendas de uns Natais para os outros.

Vamos, então, ao primeiro, para compreenderem o que passei e ajudarem-me, se conseguirem…

De acordo com o pretendido pelo articulista, eu deveria ter ficado a perceber se era muito ou pouco considerado no referido meio. As prendas por mim recebidas, deveriam ter-me esclarecido quanto à posição que ocupo no grupo a que pertenço. Ora, eu não consegui tirar conclusões de tais ofertas.

Como interpretar a garrafa de Jack Daniel’s, dada por um colega do trabalho, que sabia que eu não gostava de whisky americano? A garrafa ainda é cara; logo, eu estaria acima de quem a ofereceu. Tanto mais que só lhe ofereci uma Bic e dois maços de Camel (um light!). Mas ao oferecer-me uma coisa que sabia que eu não gostava, não estava o colega a colocar-me num nível inferior ao que poderia supôr?

E que dizer da familiar que me ofereceu uma gravata de seda? Era um sinal de apreço, de respeito, ou um simples “vai morrer longe”? Ofereci-lhe um lenço. Não compromete, pois não?

Outro ofereceu-me um livro. Tudo bem, eu gosto de ler. O livro era pequeno, cento e poucas páginas. Devo ter isso em atenção e pensar que se tivesse cerca de quinhentas, tipo António Lobo Antunes, estaria melhor colocado? Ou devo atender ao autor, Possidónio Cachapa, e ao título, “Viagem ao Coração dos Pássaros”? Dos pássaros? A pessoa sabia que eu tenho um gato e duas gatas!

Estão a perceber o meu problema?

Claro que tive mais prendas. Mas pelo número, também não vou lá. Todos os miúdos tiveram mais prendas que os adultos. Eu fiquei, em relação à quantidade, entre miúdos e adultos. Mas que dizer daquele familiar que só teve uma prenda? Uma oferta de quase toda a família. Eu fui a excepção, por motivos óbvios. Não posso comparticipar em entradas para apartamentos! Estará ele no topo da hierarquia? O facto de se ir casar, fá-lo descer uns pontos?

Espero que me ajudem, porque se não ficar esclarecido, não sei como enfrentarei o próximo Natal.

Quanto ao artigo que focava o aproveitamento de prendas, tenho que confessar que originou uma grande confusão e, quase, um corte de relações com alguns familiares. O artigo sugeria que se guardassem aquelas coisas, oferecidas com as melhores das intenções, mas que não nos serviam para nada, que deixássemos passar um ou dois Natais e que, depois, as oferecessemos a outras pessoas.

Quando li isto pensei “que grande ideia, posso poupar umas massas!” e fui a correr desenterrar dos armários alguns objectos, herdados de Natais transactos.

– “Olha,” – disse à minha mulher – “este pássaro de bronze, era bom para oferecermos à tia Antónia!”

Ela percebeu a minha ideia e arranjou um lenço, que nunca tinha usado, para dar à prima Cassilda. Ao fim de um bocado, tinhamos menos tralha nos armários e prendas para muita gente.

Bom, a ideia era boa, não havia mal na intenção, como é que gerou confusão e corte de relações, quase?

Eu explico!

Quem é que se ia lembrar que tinha sido a prima Cassilda a oferecer-nos o lenço? E que, quando ela, em voz alta, tivesse estranhado ter recebido de volta o que tinha dado uns Natais antes, a tia Amélia tivesse saltado da cadeira a gritar que ela é que o tinha oferecido à prima Cassilda, porque é que nós estávamos a fingir que tinha sido oferta nossa?

E quem é que podia contar que as boxers, com desenhos de leitões em posições menos próprias, oferecidas por um amigo que tinha vivido em Londres, tinham ido parar ao meu tio Policarpo, que tinha ficado viúvo há pouco tempo? E que o CD, de um tal Edson Cordeiro, uma coisa imprópria até para surdos, oferecido por um sobrinho um ano antes, lhe tinha ido, novamente, parar às mãos?

Compreendem, agora, porque fiquei marcado por este Natal? O porquê dos meus traumas? O terror, já, do próximo? Compreendem, agora, o meu pedido de ajuda?

Se calhar, é melhor começar a pensar em organizar um rali para o período do Natal. Não para o deserto, mas para o Pólo Norte.




Acho que sim. Contacta já a Agência de Viagens “Fim do Mundo”. O teu problema não tem resolução.
Nota: se continuas a afligir-te por tão pouco, morres de ataque cardáco e acabam de vez os teus problemas.

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