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Coisas importantes, parte I

Estava eu esta manhã a rapar os sovacos na casa-de-banho, com umas olheiras do tamanho do mundo, quando me apercebi que o tempo é a coisa mais importante que temos. Mais do que isso: o tempo é a única coisa que temos!
Passo a explicar.
Ali estava eu em frente ao espelho, a fazer as figuras do costume, a olhar-me fixamente enquanto mandava beijos a mim próprio e a enviar-me palavras de encorajamento e elogios como “Grande Toscano, qualquer dia és tu a fazer anúncios para a L’Oreal tal como o Ben Affleck!”. E foi então que me atingiu como uma bomba: que raio de homem é que rapa os sovacos a uma Quarta-feira de manhã?
Em relação às olheiras, culpo a RTP! Quem é que os manda passar o filme do Jay & Silent Bob à 1:30 da manhã? (ironicamente, esse filme foi apresentado como sendo a “Sessão da meia-noite”. Em que fuso horário funcionará a RTP?! Já sabemos que vivem no passado, mas…).
Agora o problema do rapadus sovacae revelou-se mais filosófico do que efémero.
Ora vejamos. Estava a usar uma lâmina feita por uma marca qualquer (garanto que não compro Gilletes à conta dos anúncios fatelas que eles fazem), iluminado por uma lâmpada feita por outra marca qualquer, estando a luz refinada e alterada através de um candeeiro que ainda outra empresa produziu. Como se isso não chegasse, tinha os pés enfiados em chinelos feitos por alguém, e o chão que pisava pertencia a uma casa que – como é óbvio – alguém construiu (e desenhou antes de ser construída, embora essa parte suscite, por vezes, algumas dúvidas…). Estava a pensar nesta treta toda enquanto olhava para um espelho produzido por ainda outra empresa qualquer. Nem o raio da reflexão me pertencia! Estava a rapar os sovacos a um clone e não a mim! (e ainda bem, porque isto de alguns homens raparem pêlos do corpo é uma granda paneleirice!)
E quando julgava que, ao menos, detinha o recorde das maiores olheiras nacionais às 8:30 da manhã, eis que entra a minha mulher pela casa-de-banho adentro e me prova o contrário! Tinha os olhos completamente negros!! Parecia que tinha estado a sonhar com uma aventura extra-conjugal com um processador de texto com o comando de negrito permanentemente ligado. Ainda lhe disse qualquer coisa como “Acho que devias pedir um aumento hoje. Que raio de patrão é que é capaz de negar mais uns euros mensais a uma vítima de violência doméstica?” (ela não percebeu a piada, tal como nunca as percebe àquelas horas… Ou então tem algo a ver com o facto dela ser a sua própria patroa. Nunca iria acreditar nessa história…).
Dei graças ao Santo Fantasma (como dizem os ingleses e americanos) por estar completamente nu. Caso contrário, teria também de me justificar perante a minha roupa que, da última vez que verifiquei, foi desenhada por alguém e feita por uma empresa qualquer.
E tudo isto pensado através de uma língua que alguém inventou!
É demais! Não temos nada realmente nosso!
Acordamos com despertadores feitos por alguém, tentamos descobrir o norte numa casa feita por alguém, devoramos o pequeno-almoço que alguém nos forneceu, vamos trabalhar para sítios que, normalmente, foram construídos por alguém. Quando somos os nossos próprios patrões (como no meu caso), estamos dependentes dos outros e das regras de mercado para subsistir. E quando trabalhamos para terceiros (como é caso de desgraçados como você), continuamos dependentes de outros e das regras de mercado (a diferença é que ter o nosso próprio negócio permite-nos não pagar IVA em chamadas de telemóveis… mas isso é outra história…).
Efectuamos tarefas mais ou menos rotineiras durante o dia, manejamos ferramentas inventadas por alguém, e comunicamos uns com os outros através de tecnologias que… sim, adivinharam, são lentas e possuem uma assistência de merda!
E a única coisa que temos realmente nossa, aquela coisa que ninguém nos pode tirar, é o tempo.
Lembro-me de um slogan qualquer que rezava “O tempo é o que dele fazemos”. Isto é uma treta pegada!
O tempo é o que somos, isso sim.
A nossa existência neste planeta não passa de um fragmento temporário. Um conjunto de pequenos momentos interligados que, alguns de vós acreditam, hão-de levar a algum lado.
Mas não acredito nisso. O fim é o limite.
É um pavio de uma vela que se acende e se apaga, sendo a faísca do isqueiro o orgasmo que nos deu origem, a chama a nossa vida, o apagamento a nossa morte e o fumo que fica no final as contas que a família paga à agência funerária.
Às vezes perguntam-me “Porra, Toscano, és um gajo mesmo esquisito! O que é que eu te vou dar no teu aniversário?”.
Tempo.
Ora aí está uma prenda que eu gostava que alguém me desse. Mais importante que um micro-ondas de alumínio que ligue com o resto da cozinha ou um vibrador de diversas velocidades.
Tempo era o que eu gostaria que me oferecessem.
E sabem porque é que ninguém consegue oferecer tempo a alguém? Porque o tempo é a única coisa que nos pertence. Logo, é fodido abrir mão dele.
The defense rests.

Moral da história: será que deveríamos acusar os fabricantes de relógios de alguma coisa?

Pensem nisto, seus desperdiçadores horários…

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