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Feira do Livro e António Salazar

Como escrevi num post, algures no passado, gosto de ir à Feira do Livro. É lá que normalmente encontro autênticas pérolas da literatura nacional que, por obra do feroz marketing editorial, costumam passar ao lado do potencial leitor.

O livro de Protecção Automóvel através de Rituais Mágicos, por exemplo (ver o post antigo), tem-me dado um jeitaço do caraças! Tenho tido muito mais facilidade em arranjar lugar para estacionar (o que também se pode dever aos aumentos dos combustíveis) e sempre que mostro aos ocupantes o saco de tecido com o olho de cabra lá dentro, faz-se silêncio na viatura. Não sei se se trata de magia, mas tenho seguido as instruções à regra e têm resultado até agora.

Este ano, directamente da Tenda dos Pequenos Editores, decidi trazer… esperem lá! Um pequeno aparte… Tenda dos Pequenos Editores? Que raio?! Já não chegava estas editoras serem pequenas, por vezes com apenas uma única obra para apresentar, e ainda têm de as relembrar que são campistas no meio dos portentosos arranha-céus das “editoras a sério”? Não é que os “pavilhões” (como sarcasticamente lhe chamam) das outras editoras sejam assim tão arrebatadores. Mesmo os espaços da Leya, na sua variante drive-in e com espectáculos de circo para entreter a criançada, não passam de estruturas de latão com aberturas! Não é possível polir um cagalhão e passar a chamar-lhe um lingote de ouro. Porque raio é que as editoras acham que podem chamar pavilhões às barracas onde expõem os livros?

Portanto, antes de partir para a análise da obra que adquiri, que fique bem claro que dou alguns pontinhos negativos à APEL pela utilização da expressão “tenda”. Porque não o Acampamento dos Pequenos Editores? Sempre dava uma ideia melhor da dimensão da coisa. Ou a Reserva Natural dos Pequenos Editores? (é capaz de parecer ainda mais discriminativo) Ou então, para ficar em consonância com o ambiente do local, que tal chamar-lhe a Sauna dos Pequenos Editores? É que, convenhamos, um avançado de plástico, ao sol, o dia inteiro…

Muito procurei a editora Novalis (é treta, só dei uma volta para cima e para baixo, tendo parado algures para comprar um churro de chocolate), onde adquiri o tal livro de protecção automóvel por rituais mágicos no passado, na esperança de apanhar mais um daqueles expositores de bomba de gasolina com verdadeiras preciosidades. A nível pessoal, estava à espera de encontrar livros que me ajudassem a perder peso sem sacrifício (livros esses que, na realidade, estavam espalhados por todas as restantes editoras, apesar de não se encontrarem catalogados como “Ciências Ocultas”, vá-se lá saber porquê…). Ou então um livro que me ajudasse a conquistar o meu eterno medo do coelhinho da Duracell através de Reiki. Isso seria do outro mundo! Mas a editora Novalis não estava lá. Sendo esse o motivo pelo qual me enfiei na Tenda dos Pequenos Editores.

E o livro que trouxe (finalmente!) intitula-se “Salazar: muita sorte ou muito azar? Uma perspectiva realista.” Quando um livro tem um título destes, quando o autor tem um reafirmante e redundante nome como Brando Gentil e quando a editora se chama Livros Novelo Vaga, sabemos que estamos na presença de algo com substância.

Pensei para com os meus botões “Ora aqui está uma oportunidade de saber quem era esse tal de Salazar que foi o melhor Português de todos os tempos!”.
Na verdade, o livro revelou-se uma verdadeira desilusão. A informação apresentada é superficial e errónea (diz que Salazar foi um ditador… pois, está bem… como é que um ditador podia governar este país de corajosos durante tanto tempo e ainda ser votado como o melhor Português em 2007?); e ao mesmo tempo há toda uma característica difusa na informação apresentada, que denota alguma falta de direcção. O autor ora fala do homem enquanto estadista, ora lê passagens de relatos de empregados que Salazar supostamente teve.
Mas nada como deixar um pequeno excerto que acho demonstrativo da qualidade da obra.

[…] Um dos grandes erros históricos acerca da morte de António de Oliveira Salazar é a assunção de que terá sido provocada por uma queda duma cadeira. Segundo o relato de Ermenegilda Martins, a última governanta de Salazar e que estava presente na altura do acontecimento, tal não é – de todo – correcto. Salazar não pereceu instantaneamente duma misteriosa queda em 1970. Na verdade, a queda tomou lugar dois anos antes, no dia 7 de Setembro de 1968. E nunca foi relatada correctamente.

Mas graças ao testemunho de Ermenegilda Martins, a verdade dos factos pode agora ser reposta.
Salazar morreu duma queda, sim, mas não da pancada propriamente dita.
Conta Ermenegilda que um dos hábitos de Salazar era trancar-se numa das salas de jantar do Forte de Santo António do Estoril (onde gostava de passar férias), dado que era o local onde possuía mais luz natural para leitura. Salazar era um fanático por luz natural. Conta-se que tentou mesmo alterar os fusos horários, durante a 2ª Guerra Mundial, de forma a poder ler o seu jornal em frente à janela até hora tardia, fazendo a paragem obrigatória para ver o Telejornal das 20.

No dia 7 de Setembro de 1968, Salazar ter-se-á dirigido à sua cadeira Luís XIV, perto da janela a poente da sala de jantar. Era a maior janela da forte. Era a janela preferida de Salazar. E, num gesto de (mau) hábito muito comum do estadista Português, que gostava assumidamente de reclinar a cadeira para trás até a parede contrária a travar, a dita terá escorregado, fazendo com que Salazar batesse fortemente com a nuca na parede, caindo de costas em seguida.

Porém, e esta é a parte que os livros de História não contam, esta pancada em quase nada terá ferido Salazar! Foi na altura em que se decidiu levantar, aí sim, que a complicação começou. Embrulhado no cortinado pesado de sarja e cetim, agora apenas preso por duas argolas ao varão, Salazar tenta levantar-se. Mas, vítima do chão encerado que – supõe-se – terá feito escorregar a cadeira segundos antes, Salazar escorrega novamente, fazendo um esforço para se equilibrar e gesticulando caoticamente ao jeito de uma das melhores rotinas de comédia física de Laurel & Hardy.

O esforço foi em vão. Conta Ermenegilda, que assistiu a tudo horrorizada, na altura em que entrou na sala de jantar com a terrina da sopa.

“Foi horrível, menino Gentil! Foi horrível! O dr. Salazar levantava e baixava os braços para se tentar equilibrar. Parecia que queria levantar voo. Mas eu tinha encerado o chão naquela manhã e olhe que eu prezo por fazer um bom serviço. Ainda hoje!”

Ermenegilda ainda correu para acudir Salazar, numa cena que apenas podemos imaginar em câmara lenta, para melhor compreender a experiência sentida.

19.48:03 : Salazar desiquilibra-se novamente

19.48.04 : Salazar tenta equilibrar-se. Ouvem-se as primeiras sílabas do berro de exclamação de Ermenegilda ao entrar na sala de jantar “Se-nhor Sa…”

19.48:05 : Salazar deu agora meia-volta sobre si próprio, fixando Ermenegilda nos olhos, à medida que se ouvem as restantes sílabas “la-zar!!!”

19.48:06 : Salazar faz uma expressão de terror e abre bastante os olhos. Está naquela fase ingrata em que já se sabe que se vai cair e em que se toma consciência que não se pode fazer nada. Ermenegilda larga a terrina da sopa e tenta correr para auxiliar o patrão, mas já foi tarde demais

19.48:07 : Ao cair novamente, Salazar arrasta o cortinado consigo, que puxa com ele o varão. A terrina da sopa está a 15 cm do chão.

19.48:08 : Salazar cai no chão. A sua última visão foi de um varão a aproximar-se da sua cabeça. A terrina caiu ao chão e estilhaçou-se em mil pedaços, espalhando feijão-manteiga por todo o lado.

19.48:09 : Salazar é violentamente atingido pelo varão, pancada essa que lhe causou lesões cerebrais irreversíveis. Ermenegilda encontra-se agora a meio caminho entre a porta de entrada da sala de jantar e o estadista.

19.48:10 : Salazar perde os sentidos. Ermenegilda chega tarde demais. A sopa de feijão encontra-se agora espalhada por toda a sala de jantar, começando a ensopar um dos tapetes.

Dois anos depois, António de Oliveira Salazar falece na sua cama, ainda acreditando que era o presidente do Estado Novo, e lamentando a perda da belíssima terrina de família (e a não menos bela sopa de feijão de Ermenegilda Martins).

E agora, pergunto-me eu, porque é que nunca nos contaram a verdade acerca destas coisas?!




Se fosse eu serrava-lhe a perna da cadeira. O resto era canja…


E a Dª Ermenegilda a correr de terrina na mão não escorregou no encerado? Ah grande Ermenegilda…


As empregadas de limpeza nunca escorregam no chão que enceraram! Deve ser dos pés calejados do trabalho.

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