siga-nos nas redes
Facebook
Twitter
rss
iTunes

Grandes Vultos Esquecidos da Nossa História – Especial Dia dos Namorados

Neste 14 de Fevereiro, pensei que seria apropriado recuperar um dos poetas portugueses com maior sensibilidade romântica. Num dia em que se celebra o Amor, prestamos um duplo serviço: fazemos a devida vénia a um grande autor, e deixamos algumas estrofes sentimentais que os nossos leitores com veia poética mais discreta podem aproveitar para impressionar a sua amada (não temos poemas para as nossas leitoras poderem impressionar o seu amado, mas também, homem que é homem não liga cá a essas coisas!).

Antes disso, contudo, umas palavras de aviso: Guilhermino Tomás, o autor dos poemas que iremos transcrever abaixo, tinha uma certa predilecção (para não dizer obsessão) por mulheres vesgas. Isso é capaz de se notar, aqui e ali, nos seus poemas. Se a pessoa amada sofrer de estrabismo, estas arrebatadoras descargas sentimentais serão uma boa opção; caso contrário, talvez seja melhor recorrer a um outro poeta…

II. Guilhermino Tomás

Pouco se sabe de Guilhermino Tomás. Nascido em 1935, durante toda a sua vida manteve uma postura discreta. O seu parco reconhecimento público limitou-se a umas escassas linhas num jornal diário, por ocasião de uns saraus literários em que participou. Corria o ano de 1953 e, na altura, o crítico considerou-o como “um dos mais promissores poetas”, por ser “senhor de uma invejável sensibilidade e de um inegável dom para o verso”. O final da crítica, contudo, confirmar-se-ia como premonitório: “o leit-motiv de todas as suas personagens femininas serem vesgas poderá revelar-se uma opção criativa perigosa. Ao limitar-se desta forma, Guilhermino Tomás arrisca-se a confinar a sua poesia a um nicho muito reduzido de público.”
Mas Guilhermino Tomás nunca se preocupou com o grande público. Que se saiba, nunca fez o menor esforço para ver o seu trabalho publicado. Dir-se-ia que escrevia por uma obrigação que o ultrapassava, por uma devoção cega (perdoem-me a ironia) ao estrabismo.
Os poemas de Guilhermino Tomás que chegaram aos nossos dias só muito recentemente foram descobertos. Foram encontrados numa arca guardada no sótão de um antigo prédio, horas antes da sua demolição.
O poema que a seguir se transcreve gira em torno de velho tema do amor não correspondido e é, na nossa opinião, um dos mais apurados exemplos de angústia erótica. O sentimento de impotência que o inunda é de tal forma intenso que o leitor não pode deixar de partilhar a dor do autor em toda a sua violência.

Mui sublime e terna donzela,
No teu vestido de cetim trajada.
De ti estar longe faz-me grande mazela,
E amaldiçoo a minha sorte desgraçada.

Com camaleónico olhar hipnotizante
Miras, incansável, o infinito.
Vês o perto e o distante,
Mas não vês aquilo que por ti sinto.

Se houvessem óculos para o amor
Eu comprava-te um par
Talvez com eles pudesses experimentar o calor
Desta fogosa paixão de te amar.

Mas nem só de amores não correspondidos fala Guilhermino Tomás. O poema seguinte situa o seu momento narrativo numa relação já consolidada e plena de recíproco sentimento amoroso.

Na esplanada, tu em pé, eu sentado,
Num momento olhavas para mim, e para o homem do lado.
Mas sou só eu o teu verdadeiro amado
O homem do lado lá terá de ficar assim, frustrado.

Desabafaste: ‘Que maçada, sempre a ver o meu nariz!’
Pensei: ‘Ah, pudesse eu olhar para ele todo o dia e seria feliz’
‘Disparate,’ respondi, ‘foi moldado no mais divino almofariz’
‘Fala com qualquer escultor, e vê o que ele te diz!’

Olhaste para mim de lado, e lançaste uma gargalhada.
Eu paguei a conta, tu não deste por nada.
Fomos embora da esplanada – tu fugiste assustada.
Corri atrás de ti e deitei-te uma mão abençoada:
Foi mesmo antes de por uma carroça seres trucidada!

Guilhermino Tomás morreu em 1970 quando tentou pôr em prática, nele próprio, um meio artificial para propiciar o estrabismo. Os pormenores da bizarra experiência nunca foram completamente esclarecidos.

Feliz Dia dos Namorados!




Quem foi o anormal que abriu a arca antes do prédio ser demolido?

Deixe o seu comentário