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Futebol e tomates

O último sábado foi, para mim, um dia muito estranho. Não que isto tenha alguma coisa de mal! Ainda bem que, de vez em quando, nos toca um dia surreal para desenjoar do rotineiro quotidiano.

Mas, para correctamente poder relatar os acontecimentos deste invulgar dia, será necessário recuar no tempo algumas semanas até à ocasião em que o meu sogro se aproximou de mim e, com a voz carregada de eufórico triunfo, anunciou que tinha conseguido bilhetes para o jogo da Taça de Portugal entre o Odivelas e o Belenenses!

O meu sogro é um homem beirão e, uns dias antes, tinha-se encontrado acidentalmente com um antigo conhecido, nascido na mesma zona que ele. O meu sogro, de resto, insiste em referir-se ao indivíduo como “um filho da terra” embora, em todo o rigor, o homem não seja exactamente da mesma localidade, mas sim de uma muito próxima chamada Girabolhos. Subtilezas geográficas à parte, este indivíduo vive há vários anos em Odivelas e desenvolveu uma devoção ferrenha ao clube local. Palavra puxa palavra e, quando demos por ela, já tínhamos todos bilhetes para a “grande festa da Taça”.

No sábado, lá estávamos todos, para assistir ao disputado jogo entre o AC Milan dos subúrbios, e a malta da Cruz de Cristo. O jogo não começou bem para o Odivelas: aí aos 10 minutos, roubaram-nos logo um penálti! Vieram-me imediatamente à memória as escutas do processo Apito Dourado, em que se falavam de uns “docinhos” para os árbitros. A diferença é que, desta vez, os docinhos não seriam brasileiros ou de leste, mas ali de Belém. E eram mesmo docinhos, no sentido literal do termo. A barriga proeminente do juiz da partida só contribui para esta teoria.
A escandalosa roubalheira continuou jogo fora e, com ela, vieram os tradicionais insultos ao árbitro. É bem sabido que as pessoas, quando vão ao futebol, não são exactamente comedidas no vocabulário empregue. Com efeito, quem lá estava teve a possibilidade de assistir a um colorido desfile do mais puro vernáculo português. Mesmo assim, houve um adepto que optou por ir contra a tendência dominante: este indivíduo queria participar no achincalhamento do árbitro, sim senhor, mas não queria ser excessivamente ofensivo. Por momentos pensei que estava no meio de um sketch dos Gato Fedorento! O homem gritava, em plenos pulmões coisas do género:

Oh careca! Porquê que não mostras a careca em vez do cartão?! A cor é mais ou menos igual!

Ou, referindo-se a um jogador mais alto que não estava a jogar bem,

Eh pá, tirem-me essa avestruz!! Oh minha grande avestruz!! Pareces uma avestruz, pá!

De facto, nada magoa mais do que ser comparado a uma ave de grande porte…

O jogo terminou com a vergonhosa eliminação da equipa da casa. Mas o convívio não ficou por aqui, ou não estivéssemos nós a falar de pessoal beirão! A próxima paragem seria num snack-bar, propriedade de uma senhora que era, também ela, uma filha da terra.
Lá chegados, foram-nos imediatamente servidas várias iguarias. Nada de sofisticado! Nada de comida amaricada! Só petiscos de fazer crescer pêlos no peito, como a bela da moela, o queijo com cheiro inacreditável, o pão caseiro e o vinho particular (que era bem bom, como tudo o resto)! Mas a verdadeira piéce de resistance só apareceria algum tempo mais tarde: numa travessa, estava aquilo a que se costuma chamar “túbaros”.
Ora, devo confessar que nunca na minha vida, até este dia, tinha eu levado testículos de carneiro à boca. Por uma razão qualquer, foi coisa que nunca me atraiu muito… Seja como for, este era um dia destinado à loucura! Cheio de determinação, agarrei numa bucha e espetei-lhe com um bocado de tomate de carneiro (com um molho que, curiosamente, leva tomate) em cima. Comecei a mordiscar no preparado como se fosse a coisa mais natural do mundo. O resultado surpreendeu-me: não é que aquilo é bastante bom?!
Mais um copito de vinho, mais uma pouca de pão, mais uma garfada de túbaros, e por entre histórias que mereciam aparecer num episódio da Twilight Zone-versão-Portugal-profundo, eis que aparece a dona do estaminé, responsável pela nossa odisseia gastronómica. Uma venerável senhora, já de idade avançada, aproximou-se da nossa mesa e, de forma quase tímida, lançou as perguntas habituais nestas situações: “Então, está tudo ao vosso gosto?”. Os elogios não se fizeram tardar, “Tudo excelente, minha senhora!”. Mantendo o seu registo de humildade, retorquiu “Ainda bem, ainda bem. Se precisarem de alguma coisa, é só pedir!”. Lançou um olhar á mesa, e disparou, com a maior das naturalidades, a pergunta: “Então e os colhões?! Estão bons, os colhões?”.




O que também é fixe são as molejas (glândulas salivares dos bois).


_ Concorda com a utilização voluntária de um calão, impróprio na descrição de produtos alimentares, por opção do/as empregado/as, durante o período das refeições, em estabelecimentos devidamente licenciados?

“Sim”, desde que não se tenha dores de estômago de tanto rir.

“Não”, se pretender fazer uma refeição sem ter de consultar um dicionário.


Isso é que era um referendo que eu gostaria de ver! Como seriam os valores da abstenção nesse?

Por muito que este último tenha sido divertido, acho que o referendo do aborto tem mais potencial cómico.
às tantas, até que era capaz de não ser muito diferente: teríamos seguramente donos de restaurantes a manifestarem-se pelo não (“isto é um sítio fino”, diriam), frequentadores de restaurantes a queixarem-se sobre a liberalização do palavrão, velhas sinistras a distribuirem ementas carregadas de asneiredo a criancinhas à porta das escolas…


… e seguramente terias também uma carta escrita por um par de colhões de carneiro, vinda directamente do céu, a afirmar que gosta que as coisas se tratem pelos nomes… 😉


Girabolhos!!! É meu vizinho!!!

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