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Porque gosto das autárquicas?

É algo que o mais distraído dos observadores se apercebe: a vida política portuguesa está cheia da mais incomum bizarria, da mais surreal estranheza, e do mais desconcertante absurdo. De facto, a produção portuguesa em termos de humor político (onde a Contra Informação recebe o lugar de destaque) demostra bem o potencial cómico deste tema. Há mesmo quem diga que fazer humor político em Portugal é bastante fácil, dada a riqueza de matéria-prima. Eu discordo: não é assim tão fácil, porque é preciso que as piadas sejam bastante boas para conseguirem ultrapassar a comicidade dos factos em bruto.
Este e o estado normal da política portuguesa e, por isso, constante ao longo do tempo. No entanto, de quatro em quatro anos, há um evento que consegue acirrar e desenvolver ainda mais esta faceta divertida da política. As eleições autárquicas têm este condão; possivelmente por serem, efectivamente, eleições (no plural), ao contrário da eleição do Presidente da República, por exemplo. O facto de funcionarem a nível local permite que, em vez de haver só dois ou três circos no país inteiro, haja três ou quatro circos em cada autarquia e, quando isto acontece, parece que há uma competição tácita para ver quem é que consegue ser mais disparatado e estranho. É porque gosto tanto de me rir que gosto tanto das autárquicas. Mas não estou só: o pessoal da TVI também deve de estar contente por finalmente ter na grelha qualquer coisa mais engraçada do que os Batanetes, nem que seja o “Diário de Campanha” (e, ainda por cima, não têm custos de produção com aquilo!).
Mesmo assim, chega uma altura onde nos sentimos tentados a perguntar: “Quando é que se vai longe demais nisto?”. A resposta é certamente muito complexa, e não pretendo dar a entender que a conheço. No entanto, deixo aqui alguns esboços nesse sentido, ficando, naturalmente, receptivo às sugestões do prezado leitor.
Será que é quando temos vários arguidos em processos criminais candidatos a câmaras?
Será que é quando se começam a usar chouriços como arma política (em Maximinos)?
Será que é quando começamos a assistir aos mais surreais debates na televisão (-Você não conhece os números! –Você não sabe do que está a falar? –Você é um idiota! –Não, não! Você é um idiota! …)?
Será que é quando temos, numa mesma autarquia (S. João da Madeira), um candidato com 19 anos e um com setenta e tal?
Será que é quando vamos aos mercados fazer as compras para o lar, e lá encontramos a Bárbara Guimarães acompanhada por um catedrático de Filosofia, em efusiva confraternização com as peixeiras?
Quanto a mim, tudo isto tem, sem dúvida, o seu quê de estranheza. No entanto, acho que o exemplo máximo do exagero em campanha vi-o eu noutro dia. Vinha de Odivelas para Lisboa quando observo, do lado esquerdo da Calçada de Carriche, um monte onde tinha sido escrito “Vota CDU”.
Há que avaliar cuidadosamente o que se passa aqui, e eu não posso ser demasiadamente cuidadoso na descrição da paisagem porque tenho a perfeita consciência de que não é fácil acreditar, ou sequer imaginar, o que está aqui em causa. Trata-se, efectivamente, de um monte da altura de um prédio de vários andares, onde foi pintado em letras gigantescas os dizeres “Vota CDU”.
Antes de mais, há que dar a mão à palmatória: estão sempre a acusar o PCP de ser um partido retrógrado, antiquado e ultrapassado e, no entanto, consegue-nos surpreender com esta fresca e revolucionária novidade. Afinal de contas, a CDU, com esta acção, conseguiu explorar um potencial propagandístico até agora desconhecido: aquele monte expõe a sua mensagem, não só para os eleitores que circulam de carro na estrada (como os restantes outdoors), mas também para os eleitores que passam de avião.
Agora, o conceito é deveras estranho… Será que foi obra de algum arquitecto paisagístico militante do PCP? É que, pela simples dimensão do empreendimento, eu acredito que aquilo não poderá ter sido feito sem um projecto prévio, com estudo topográfico incluído, elaborado por alguém capaz.
Há, contudo, uma coisa que me faz espécie. A CDU não é composta só pelo PCP; há também o Partido Os Verdes na coligação. Que tipo de partido ecologista é este que acha bem que se usem montes como suporte para propaganda política? Será que tiveram o cuidado de utilizar tintas biodegradáveis? Ou será que se trata de uma facção dissidente que defende que a própria natureza deve expressar ideais políticos (desde que, suponho, sejam coincidentes com os ideais da CDU)?
Bom, em todo o caso, acredito que esta manobra dará apreciáveis frutos no dia das eleições. Seguramente, todos os dias, haverá pessoas a passar por ali de carro (ou de avião) que farão o seguinte raciocínio: «Eh pá, em quem é que hei-de votar nestas eleições? Estou mesmo indeciso… Olá… Qué isto? “Vota CDU”?! Co’á breca! É isso mesmo!! Não sabia o que havia de fazer, mas agora está decidido! Bendito monte, que acabou com a minha angústia!».

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